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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA

Romance Histórico
Portugal, 1845-1913


autor
Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 6

Alfredo está prestes a pedir a demissão das funções de moço da estrebaria nas cavalariças da Família Real para se dedicar a um trabalho mais consentâneo com a suas aptidões intelectuais: ser redator de um jornal.

Antes de levar para a frente esta sua decisão, decide despedir-se de Ana Francisca por quem continua a sentir grande afeição. Aguarda, pacientemente, que esta saia do interior do palácio, mas, apenas ao entardecer, o seu intento se concretiza: vê a mãe de Maria Isabel a atravessar a antiga zona de hortas da Tapada das Necessidades, transformada por D. Fernando II num elegante jardim inglês. Rapidamente, acerca-se dela, cumprimentando-a:

— Boa tarde, Ana Francisca, como estás?

— Estou bem obrigada! – responde educadamente a serviçal. — Tem algum recado para mim?

— Não, não tenho. Quero simplesmente falar contigo.

— O que tem o Alfredo para me dizer?

— Vou deixar de trabalhar para a Família Real.

— Foi despedido?

— Não, de maneira nenhuma! Arranjei um emprego mais bem remunerado num jornal. Vou ter dinheiro e tempo para continuar a estudar!

— Pense bem antes de se ir embora! Aqui tem trabalho, comida e alojamento garantido para sempre. Chegou aos meus ouvidos que a Família Real, principalmente D. Fernando e o futuro rei, apreciam o seu trabalho e todos os servidores do palácio gostam de si!

— Todos não! Tu não gostas de mim!

— Isso não é verdade! Simpatizo bastante com o Alfredo, porque é uma pessoa muito educada, mas eu já estou comprometida com o pai da minha filha!

— Pai esse que ninguém sabe quem é! De qualquer maneira, se algum dia te cansares de esperar por ele e eu ainda estiver solteiro, vem ter comigo! Vou dando notícias! Adeus, Ana Francisca, muitas felicidades para ti e para a tua filha!

— Obrigada, Alfredo! Boa sorte no seu novo trabalho!


D. Fernando II

Com a morte de D. Maria II, a princesa Maria Ana passa, aos dez anos de idade, a ser a primeira figura feminina da corte, ocupando D. Antónia, com menos dois anos, a segunda posição. Ambas se juntam, com frequência, para conversar com o pai que, após cumprir os seus deveres como regente do Reino, dedica uma especial atenção a todos os filhos, mesmo com prejuízo da afeição que sente pelas Artes. Como sempre, Maria Isabel acompanha-as.

— Ainda bem que vieram visitar-me! – diz D. Fernando, com um aberto sorriso marcado no rosto e, dirigindo-se às filhas, diz-lhes:

— Estava a ler uma carta que o vosso avô me escreveu há três anos, antes de ter falecido.

— Mas, paizinho, o avô já morreu há muitos mais anos – exclama, espantada, D. Antónia.

Em resposta a este comentário, D. Ana Maria elucida a irmã:

— O nosso pai deve estar a referir-se ao pai dele e não ao primeiro imperador do Brasil, pai da nossa mãe!

— Ah! Tem razão! – responde D. Antónia um pouco envergonhada. — É uma carta do outro avô! Nunca cheguei a conhecer nenhum deles!

— O meu pai e vosso avô chamava-se Fernando Jorge Augusto de Saxe-Coburgo-Gota – explica D. Fernando II. — Era príncipe de três reinos e, durante as Guerras Napoleónicas, foi general de cavalaria do exército do Império Austro-Húngaro. A vossa avó é a princesa Maria Antónia, da Casa de Koháry. Ela ainda está viva e reside em Viena de Áustria. Quando se casou com o vosso avô era uma das mulheres mais ricas da Europa.

— Ela foi sua madrinha de batismo! – afirma D. Maria Ana, dirigindo-se à irmã D. Antónia. — Como vivia muito longe de Portugal, foi representada na cerimónia pela nossa tia-avó, D. Ana de Jesus Maria, a irmã mais nova do primeiro imperador do Brasil.

— A nossa tia-avó já morreu? – pergunta D. Antónia, com curiosidade.

— Não! – responde D. Maria Ana. — Está, há muitos anos, afastada de nós, na cidade de Roma.

— Muito bem, minha filha! Como sabe tudo isso? – pergunta o monarca regente muito admirado com os conhecimentos que a princesa revela possuir.

— A mãe costumava contar para mim e para os meus irmãos muitas histórias sobre a nossa família. A Antónia é capaz de não se lembrar porque é mais nova do que eu.

D. Fernando, sentindo que pouco havia falado com os filhos sobre os avós paternos destes, pergunta:

— Querem conhecer os meus pais?

— Queremos, sim! – respondem as duas irmãs em uníssimo.

O monarca regente retira do colete um relógio em ouro, abre a tampa traseira e mostra duas diminutas pinturas representando os avós paternos das princesas.

Maria Isabel olha também para as miniaturas e, com a sua inata espontaneidade, declara:

— Oh! São tão lindos!

Esta observação agrada muito a D. Fernando que lhe dirige um rasgado sorriso como agradecimento.

A filha de Ana Francisca, embora não fosse irmã de verdade de D. Antónia, era bem aceite pelos príncipes e, inclusivamente, pelo pai destes. A família real já se havia afeiçoado à simpatia que ela irradiava e à forma sempre afetuosa e respeitadora como se relacionava com todos.

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De forma indireta, a irmã de leite de D. Antónia ia assimilando a educação que era ministrada aos filhos do monarca, estando sempre presente quando estes se reuniam para receber lições de grandes vultos da cultura do país.

No outono de 1854, o escritor e par do Reino Almeida Garrett é convidado por D. Fernando II a ir ao Palácio das Necessidades proporcionar aos príncipes uma aula sobre a evolução do teatro, desde o tempo dos gregos.

Garrett era a pessoa indicada para transmitir aos infantes toda a informação sobre esta temática, não apenas na sua qualidade de dramaturgo, mas, principalmente, por ter partido da sua iniciativa a fundação do Conservatório de Arte Dramática, a constituição da Inspeção-geral dos Teatros e a construção, em Lisboa, do Teatro Normal, mais tarde renomeado Teatro Nacional D. Maria II.

Os príncipes e até o próprio monarca regente escutam, com a maior atenção, as palavras proferidas por esta eminente figura da cultura portuguesa que, em vez de permanecer estática em frente dos seus ouvintes, circula, entre todos eles, expressando-se com uma intensa gestualidade, como se a sala do palácio se tivesse transformado, repentinamente, na boca de cena de um imaginário teatro. Debruçada sobre o tampo de uma pequena mesa, Maria Isabel rabisca uma folha de papel. O orador fica com a errada ideia de que a jovem criança, que brevemente completará dez anos, se entretém apenas a esboçar um simples desenho, não estando a prestar qualquer atenção às suas palavras; mas, aproximando-se um pouco mais, tem a surpresa de verificar que esta havia sintetizado, em meia dúzia de linhas, os pontos mais importantes da palestra. Positivamente impressionado, Almeida Garrett não se pronuncia, mas auspicia para a irmã de leite da princesa um brilhante futuro no campo das letras.

Este seria um dos últimos atos praticados por Almeida Garrett: a 9 de dezembro desse ano, o autor de peças teatrais como Frei Luís de Sousa, de romances como Viagens na Minha Terra e textos poéticos como Folhas Caídas, morre, em Lisboa, aos 55 anos de idade, deixando a língua e a cultura portuguesa eternamente enriquecidas com a sua fulgente obra literária.

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