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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA
OBRA COMPLETA
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas
Episódio 40
Epílogo
Pedro Laurent da Fonseca é acordado pela melodiosa voz de Cristina, sua assistente virtual:
— Dentro de uma hora e meia tem de estar no aeroporto de Lisboa para receber um grupo de turistas alemãs. Está na hora de se levantar!
Os estores começam a erguer-se automaticamente, deixando entrar no quarto a ténue luz emanada pelos candeeiros da rua.
— Neste momento, estão 17 graus Celsius. Hoje, a temperatura deverá atingir os 32 graus. Tenha um bom dia de trabalho!
Pedro, ainda ensonado, ergue-se do leito, a custo, passando as mãos pelos desalinhados caracóis que lhe cobrem a testa.
Licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas pela Universidade de Lisboa, concluiu, há dois meses, o mestrado em Turismo e Comunicação.
Como é fluente em alemão, o operador turístico para o qual trabalha incumbira-o de receber e acompanhar um grupo de doze jovens alemãs que se deslocam a Lisboa numa viagem de fim de curso. Todas concluíram recentemente o mestrado em Ciências Biomédicas pela Hochschule Albstadt-Sigmaringen.
Após meia-hora de espera, um animado grupo de raparigas, trajando jeans e cingidas t-shirts, surge na porta de desembarque, expressando-se alegremente em alemão. Pedro não tem qualquer dúvida de que trata das pessoas que aguarda, dirigindo-se a elas, de imediato, na língua de Goethe:
— Chamo-me Pedro. Serei o vosso guia em Portugal nos próximos cinco dias.
As jovens cumprimentam-no efusivamente, encantadas com o seu atraente aspeto físico.
No parque de estacionamento já se encontra um miniautocarro à espera do grupo. O motorista Rafael saúda-as em inglês, enquanto coloca as bagagens no interior do veículo.
O primeiro lugar onde param é no cimo do Parque Eduardo VII, de onde se desfruta uma bela panorâmica sobre Lisboa e o seu castelo.
— Amanhã realizaremos, a pé, um passeio pela Baixa. Hoje iremos visitar a zona de Belém, começando pelo Museu dos Coches.
Enquanto o autocarro percorre a avenida 24 de julho, as jovens começam a entoar alegremente uma conhecida música popular da região da Baviera. Pedro suspende as informações turísticas que vinha transmitindo para se juntar a sua voz à das raparigas, o que as deixa muito surpreendidas.
Após um breve percurso pelo interior do Museu dos Coches, iniciam uma visita guiada ao Palácio de Belém, residência oficial do Presidente da República.
Antónia, uma das jovens do grupo, aproxima-se de Pedro, declarando:
— Uma ascendente da minha família nasceu neste palácio, a 17 de fevereiro de 1845. Chamava-se Antónia de Bragança e era filha da rainha portuguesa D. Maria II. Casou-se com Leopoldo, Príncipe de Hohenzollern, avô do meu tetravô.
— Como o mundo é pequeno! – responde o guia de turismo. — A avó do meu tetravô também nasceu nesse palácio no mesmo dia! Chamava-se Maria Isabel e foi irmã de leite de D. Antónia. Eram as duas muito amigas e inseparáveis!
Após uma diminuta pausa para admirar os cativantes olhos azuis da sua interlocutora, Pedro continua a conversa, referindo:
— Já me disse que também se chama Antónia.
— Sim. O meu nome completo é Antonia Sophie Hohenzollern Schulz.
— Poderá visitar o local onde nasceu D. Antónia – diz-lhe Pedro. — O quarto onde veio ao mundo a Maria Isabel já não existe, tendo o espaço sido englobado no Museu da Presidência. A mãe dela, uma criada do palácio real, enamorou-se por Pedro, filho do Marquês de Marinhais. Este, inicialmente, não a aceitou como nora, nem considerou Maria Isabel sua neta. Só após a morte do filho, único descendente que lhe restava, se decidiu a reconhecer a neta, deixando-lhe toda a fortuna e o título de nobreza. Ela era muito culta, tendo escrito diversos textos literários e uma autobiografia.
— Gostaria de ler essa autobiografia para saber um pouco mais sobre a infância da minha ascendente – diz Antónia, muito empolgada.
— Infelizmente, da sua obra literária apenas restam alguns poemas publicados no Diário de Notícias, sob pseudónimo. Todos os seus manuscritos foram devorados por um fogo que ocorreu numa ala do palácio dos Marinhais, na semana seguinte ao seu falecimento.
— Podemos visitar também o palácio dos Marinhais?
— Só se pretender hospedar-se lá. Hoje é um hotel de cinco estrelas. Toda a fortuna dos meus antepassados foi-se diluindo pelos sucessivos herdeiros.
— E a quem pertence atualmente o título de Marquês de Marinhais?
— É detido pelo meu pai. Ele ainda dá grande importância ao seu grau de nobreza. Um dia, herdarei o seu título, mas considero-o meramente simbólico, pois vivemos num regime republicano.
Após o almoço num restaurante local, visitam o Mosteiro dos Jerónimos, o Padrão dos Descobrimentos e a Torre de Belém.
Ao entardecer, dirigem-se para o hotel que lhes foi destinado, situado no Chiado. Durante o percurso, Pedro Laurent da Fonseca descreve os momentos mais importantes da História de Portugal, tecendo, no final, um breve resumo sobre o país nas últimas décadas:
— Nos dezasseis anos imediatos à implantação da República, Portugal teve quarenta e cinco governos e duas juntas. A 28 de maio de 1926, uma revolução impôs um regime ditatorial, dominado, durante décadas, por Salazar e, posteriormente, por Marcelo Caetano. Tendo por divisa «Deus, Pátria e Família», Salazar multiplicou o número de escolas no país, procurando que todas as crianças soubessem de cor a História de Portugal. Os reis voltaram a ser glorificados, assim como o contributo destes para as descobertas marítimas que levaram à aquisição de um vasto império colonial. Na altura, grande parte do povo vivia no limiar da miséria e todos os que se opunham à ditadura vigente eram presos e torturados. Portugal só alcançou uma verdadeira liberdade democrática após uma revolução militar levada a cabo a 25 de abril de 1974.
Desde que se conheceram, Pedro e Antónia começaram a sentir uma inexplicável ligação, como se o espírito de cada uma das ancestrais irmãs de leite se unisse, projetando, na atualidade, um etéreo manto de luz sobre o qual são impelidos a caminhar, lado a lado.
No dia em que o grupo visitou, extraprograma, uma discoteca no Bairro Alto, esse elo ficou ainda mais nítido.
Ambos não resistiram a trocar um sensual beijo após se terem sentado num obscurecido canto da sala.
À saída da discoteca, Pedro acompanha as doze jovens até ao hotel. As colegas de Antónia sobem para os quartos, mas esta permanece junto do guia, no hall de entrada.
Mais uma vez se beijam, sentindo um cada vez maior desejo de intimidade.
— Quer ir até minha casa? – pergunta Pedro, um pouco receoso da resposta que esta lhe daria.
— Sim, quero! – responde ela, esboçando um atraente sorriso.
Apanham um táxi e, passados vinte minutos, chegam à porta da residência do guia.
Assim que entram no apartamento, lançam-se nos braços um do outro.
De madrugada, a assistente virtual de Pedro volta a fazer-se ouvir:
— Às 9 da manhã tem de estar no hotel das alemãs para visitar o Palácio da Ajuda. Está na hora de se levantar!
Antónia acorda sobressaltada, mas rapidamente se apercebe que a voz tem origem num dispositivo eletrónico.
Mais uma vez, cingem os ardentes corpos, numa suprema manifestação de desejo.
Será este apenas um mero encantamento momentâneo entre dois jovens ou constituirá um primeiro passo para um relacionamento para o resto da vida, com a bênção dos seus antepassados?
Só o futuro o dirá!
© Jorge Francisco Martins de Freitas, 18-02-2023.
Proibida a reprodução sem autorização prévia do autor.
NOTA FINAL
Utilizando uma linguagem acessível a um vasto público, procurei seguir de perto os principais acontecimentos que decorreram em Portugal durante o período abrangido pela narrativa (1845-1913). No entanto, tratando-se de um romance e não de um manual de História, tomei, entre outras, as seguintes liberdades:
a) Maria Isabel, assim como os seus familiares, empregados e servidores da Corte aqui referenciados não tiveram existência real, pelo que todas as interações por estes praticadas junto de figuras históricas são ficcionais;
b) Reduzi a uma única, as diversas viagens ao estrangeiro efetuadas, na sua juventude, por D. Carlos.
O autor
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