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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA



romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 37

A 15 de janeiro de 1904, o rei D. Carlos I inaugura a linha de Vendas Novas, entre esta localidade e Setil.

Como a estação de Marinhais faz parte deste percurso ferroviário, o monarca convida Maria Isabel a acompanhá-lo.

A marquesa nunca tinha estado na terra onde vivera o seu bisavô paterno durante a juventude, aproveitando a ocasião para a conhecer.

Assim que o rei chega a Vendas Novas, António Vasconcelos Porto, engenheiro diretor da construção desta ferrovia, mostra-lhe uma planta com o percurso que irão efetuar até Setil, tecendo um breve historial sobre as obras efetuadas no terreno.

Uma máquina a vapor já está preparada para partir, puxando cinco vagões destinados aos inúmeros convidados. No último momento, é atrelada a esta composição a carruagem real, vinda, na véspera, de Lisboa. O monarca sobe para ela, convidando a marquesa e o engenheiro a acompanhá-lo.

Ao longo do percurso, humildes trabalhadores rurais saúdam respeitosamente a passagem de Sua Majestade, recebendo, da parte deste, um sorridente aceno.

Chegados ao rio Tejo, toda a comitiva desce para atravessar a pé a ponte D. Amélia. Esta infraestrutura em ferro, ligando Muge, no concelho de Salvaterra de Magos, a Porto de Muge, no concelho do Cartaxo, é muito elogiada por D. Carlos, tendo António Vasconcelos Porto referido que era, na altura, a maior da Península Ibérica para passagem de comboios. Noventa e sete anos mais tarde, com a construção de uma nova ponte ferroviária, foi convertida para tráfego automóvel e pedonal.

À chegada do comboio real a Coruche, um apreciável número de campinos envolve a composição ferroviária, saudando efusivamente o monarca.

A construção desta linha, entre o Alentejo e o Ribatejo, veio trazer um enorme progresso a esta região do país.

Jantar em família

Maria Isabel decide comemorar o sexagésimo aniversário do seu nascimento com um jantar em família, realizado numa pequena sala do palácio dos Marinhais.

Para além de Michel e Pedro Laurent, marcam presença, junto da marquesa, Diogo, Madalena e os filhos de ambos, Catarina e Raul.

No fim da refeição, o médico, erguendo uma taça de vinho do Porto, dirige-se a sua esposa:

— É com imensa alegria que saúdo a aniversariante. Tenho a honra de ser marido de uma senhora excecional, detentora de vasta cultura. Para além de excelente mãe e dedicada esposa, preocupa-se com o bem-estar de todos os que a rodeiam, incluindo os inúmeros trabalhadores que laboram nas suas propriedades. É notável a determinação com que defende o papel das mulheres na sociedade e a preocupação que demonstra pelos mais necessitados, ajudando financeiramente a aliviar o seu sofrimento.

— Agradeço muito as gentis palavras expressas pelo meu estimado esposo, mas o meu pensamento é dirigido, neste momento, para aquele pequeno quarto do Palácio de Belém, onde, há sessenta anos, Ana Francisca, minha saudosa mãe, me trouxe ao mundo, sem a ajuda de terceiros. Admiro a forma como sempre me tratou e os princípios de respeito e fraternidade que me incutiu. Graças a eles, pude pautar com serenidade os momentos cruciais da minha vida, adquirindo inúmeras amizades em todos os grupos sociais.

Alexandra da Dinamarca, esposa do rei britânico Eduardo VII

A 22 de março de 1905, às quatro horas da tarde, a Rainha Alexandra, esposa de Eduardo VII, chega a Lisboa, a bordo do Yacht Victoria and Albert, a fim de visitar a corte portuguesa. Vem acompanhada das filhas Vitória e Maud, do genro Carlos da Dinamarca e de um neto.

Uma colorida tenda encontra-se montada no Cais das Colunas, para receber os ilustres visitantes.

Galeotes reais conduzem D. Carlos e os seus dois filhos até junto do iate britânico, fundeado em frente ao Terreiro do Paço. No regresso, trazem consigo, para além de elementos da comitiva britânica, a esposa de Eduardo VII e Carlos da Dinamarca. Os restantes elementos da família real britânica permanecem a bordo.

A monarca consorte britânica tem à sua espera D. Amélia e D. Maria Pia. As três rainhas abraçam-se e beijam-se.

Em representação dos inúmeros ingleses vivendo em Portugal, Davy Marsdeu e Glady Raes, duas formosas meninas daquela comunidade, entregam à rainha consorte britânica ramos de lírios do vale, sua flor preferida.

O conselheiro António de Azevedo, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, profere, em francês, um discurso de boas-vindas à Rainha Alexandra, afirmando que o povo português em geral e a população de Lisboa em particular se sentem muito agradados pela sua presença, pois conservam ainda uma indelével lembrança da visita efetuada pelo seu marido, o rei Eduardo VII.

Utilizando o mesmo idioma, a rainha britânica agradece esta saudação, cumprimentando, de seguida, os elementos da alta nobreza e as chefias militares ali presentes.

Após esta cerimónia, é organizado um cortejo precedido por um esquadrão de lanceiros.

As Rainhas de Inglaterra e de Portugal, acompanhadas de D. Carlos e da Marquesa de Marinhais, ocupam a sétima carruagem.

O cortejo segue pelas ruas do Ouro e do Carmo, Chiado, Rua do Alecrim, Praça Duque da Terceira, Aterro, Rampa de Santos e Janelas Verdes, até ao Palácio das Necessidades, sempre muito aplaudido pela população. De muitas janelas são lançadas flores sobre o coche real.

Às vinte horas tem lugar, no Palácio da Ajuda, um jantar de gala, seguido por um concerto.

No dia seguinte, D. Carlos regressa ao pavilhão erguido no cais das Colunas para acompanhar as princesas Vitória e Maud numa curta visita ao Palácio das Necessidades. Após o regresso destas ao iate real britânico, é servido o almoço.

Da parte da tarde, a rainha inglesa e seu séquito realizam um passeio pela cidade, parando no Palácio dos Marinhais para tomarem um chá oferecido pela marquesa.

À noite, realiza-se um jantar íntimo no Paço das Necessidades, seguido de uma récita de gala no teatro de São Carlos.

O dia 24 é dedicado a mostrar à rainha inglesa os encantos de Sintra. O caminho entre a Rua da Câmara e o Paço encontra-se engalanado com mastros ostentando as bandeiras dos dois países. Coloridas colchas ornamentam o parapeito das janelas e milhares de flores são lançadas sobre a comitiva real.

O almoço tem lugar na Sala das Pegas do Palácio da Vila, sendo utilizado uma preciosa baixela Saint-Germain.

No dia seguinte, as filhas da Rainha Alexandra voltam ao palácio das Necessidades para se despedirem da família real portuguesa. Após o almoço, os visitantes dirigem-se para o Terreiro do Paço, embarcando, de imediato, no iate real.

A rainha britânica regressa ao seu país, levando uma excelente imagem do seu mais antigo aliado.

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Apesar dos republicanos não terem conseguido eleger nenhum deputado nas eleições legislativas realizadas entre 1900 e 1905, continuam a clamar contra a monarquia, considerando excessivamente elevados os encargos financeiros que esta acarreta e responsabilizando-a pela continuação da submissão de Portugal ao Reino Unido, após o Ultimato de 1890. Diogo, apesar de ser meio-irmão de um elemento da alta nobreza, é um dos que mais levanta a voz contra esta situação.

Baile Anual dos Marinhais

Na noite de 17 de janeiro de 1906, o Palácio dos Marinhais encontra-se faustosamente iluminado.

Charretes, coches e alguns automóveis já se encontram estacionados num terreno recentemente adquirido por Maria Isabel com o intuito de ampliar, no futuro, os jardins da sua residência.

Mais uma vez se realiza neste local o baile anual dos Marinhais, um dos mais aguardados eventos lisboetas, realizado sempre no dia do aniversário de Pedro Laurent.

O baile deste ano possui uma maior relevância em relação aos anteriores: o futuro Marquês de Marinhais perfaz dezoito anos, atingindo a maioridade.

Estão presentes inúmeras adolescentes, filhas de nobres e ilustres personalidades da nação, desejosas de chamar a atenção do aniversariante, um dos mais cobiçados herdeiros de Portugal.

Entre todas as donzelas, Pedro Laurent deixa-se encantar por Helena, formosa filha do juiz Aníbal da Silveira. Possuidora de um corpo frágil, mas detentora de atraente sorriso, esta jovem não passa despercebida à maioria dos rapazes.

Pedro Laurent costumava abrir o baile dançando com a sua mãe, mas, desta vez, resolve dirigir um convite a Helena.

Aos primeiros acordes da valsa de abertura, ambos se dirigem para o centro da sala. Enquanto rodopiam com elegância, o aniversariante sorri abertamente, elogiando a beleza e a candura do seu par.

Gostaria de bailar toda a noite com ela, mas, como anfitrião, seria indelicado fazê-lo, pelo que se sente na obrigação de convidar outras jovens.

Antes do baile terminar, dança mais uma vez com Helena, expressando a sua vontade de a voltar a ver, pedido que esta acata na condição do juiz, seu austero pai, autorizar esse encontro.

© Jorge Francisco Martins de Freitas, 29-01-2023.
Proibida a reprodução sem autorização prévia do autor.


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