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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA
romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas
Episódio 36
A 12 de agosto de 1900, véspera do regresso a Sigmaringen de D. Antónia e Leopoldo de Hohenzollern, Maria Isabel, Michel e Pedro Laurent visitam, pela terceira vez, a Exposição Universal de Paris.
Num dos pavilhões de Portugal, encontram Eça de Queiroz, cônsul de Portugal em Paris, apresentando um aspeto muito debilitado.
A Marquesa de Marinhais conhecia o escritor desde o tempo da sua juventude e este, sempre que se deslocava a Lisboa, costumava aconselhar-se com o seu marido sobre as enfermidades que o atormentavam.
Eça, depois de cumprimentar Rodolfo, Michel e Pedro Laurent, beija, com delicadeza, as mãos de Maria Isabel e D. Antónia.
— Tem sentido algumas melhoras? – pergunta o médico.
— Infelizmente, não. Em maio, o doutor Melo Viana, médico brasileiro que vive aqui em Paris e normalmente segue o meu estado de saúde, aconselhou-me um tratamento nas termas suíças de Glion-sur-Montreux, de onde regressei há pouco tempo, mas os dias que lá passei não parecem ter produzido qualquer efeito na minha saúde.
Depois de se despedirem do escritor, Maria Isabel pergunta ao marido:
— De que sofre exatamente Eça de Queiroz?
— Deduzo que padece de uma doença inflamatória intestinal, pois queixa-se de dores abdominais, diarreia, febre e perda de peso. Na última vez que o consultei, a inflamação já era mais grave, pois as fezes líquidas continham sangue.
— O escritor Ramalho Ortigão confidenciou-me, há alguns anos, que o problema de saúde que atinge o seu amigo Eça de Queiroz é de origem pulmonar – refere Maria Isabel.
— Quando o observei pela primeira vez, também pensei tratar-se de tuberculose pulmonar, enfermidade que já afligira familiares seus, mas depressa desisti desse diagnóstico, pois Eça informou-me que tem por hábito dar longos passeios a pé, comportamento o que é incompatível com essa doença. Por várias vezes o aconselhei a fazer uma dieta, mas o escritor é grande apreciador da boa mesa e leva uma vida desregrada, passando muitas noites sem se deitar.
No dia 17 de agosto, os Marinhais iniciam o regresso a Portugal. Nessa manhã, ao tomarem o pequeno-almoço no hotel, uma pequena notícia no jornal chama a sua atenção: o escritor Eça de Queiroz havia falecido na tarde do dia anterior, aos 55 anos de idade, vitimado pela doença que o afligia.
Telautógrafo
A 17 de maio de 1901, Maria Isabel e o marido descem até ao escritório situado no piso térreo do palácio dos Marinhais, a fim de se familiarizarem com o funcionamento do telautógrafo, uma inovação tecnológica precursora analógica da moderna máquina de fax.
Este dispositivo, patenteado em 1888 por Elisha Gray, fora exibido, pela primeira vez, na World's Columbian Exposition de 1893, em Chicago.
Maria Isabel tinha adquirido, recentemente, seis destes aparelhos. Um deles estava agora à sua frente e os outros cinco tinham sido distribuídos pelos feitores das suas propriedades, permitindo o envio instantâneo de mensagens escritas à mão.
Enquanto a esposa continua a experimentar a nova máquina, Michel Laurent conversa animadamente com Aristides Mendonça, chefe do escritório:
— Li no Diário de Notícias que o seu primo João Franco formou ontem um novo partido, o Centro Regenerador Liberal.
— Sim, é verdade – responde Aristides Mendonça. — Ele e mais 25 deputados do Partido Regenerador, chefiado por Hintze Ribeiro, decidiram constituir uma nova formação política para concorrer às próximas eleições.
— Isso deve ter constituído um duro golpe para Hintze Ribeiro – afirma o marido da marquesa. — Sei que ele aderiu ao Partido Regenerador ainda no tempo de Fontes Pereira de Melo e foi Presidente do Conselho de Ministros durante dez anos, até 7 de fevereiro de 1897, altura em que foi substituído por Luciano de Castro, do Partido Progressista.
— Na verdade, Hintze Ribeiro tem um longo historial à frente do Partido Regenerador e está à espera de ganhar as próximas eleições, mas João Franco apresenta novas soluções para o nosso País e, em breve, será governo – afirma, com evidente entusiasmo, o chefe do escritório.
O Partido Regenerador Liberal, oficialmente denominado Centro Regenerador Liberal, ficou em terceiro lugar nas eleições de 1901, 1904 e 1905. Em abril de 1906, desce para a quarta posição, mas, quatro meses mais tarde, alcança finalmente o primeiro lugar, passando João Franco a chefiar o governo.
Edifício da Real Cordoaria, na atualidade
Por carta de lei de 24 de abril de 1902, o rei D. Carlos I cria a Escola de Medicina Tropical (atual Instituto de Higiene e Medicina Tropical) e o Hospital Colonial (atual Egas Moniz).
Ambas as instituições ficam instaladas no edifício da Real Cordoaria.
O Hospital Colonial, na dependência do Ministério da Marinha e Ultramar, destinava-se a dar assistência médica aos funcionários civis e militares que regressavam do Ultramar Português com doenças tropicais e infeciosas.
Michel Laurent oferece-se para fazer parte do corpo clínico deste novo hospital, em virtude de ter feito, em Paris, uma especialização neste tipo de enfermidades.
Elevador de Santa Justa, na atualidade
A 10 de julho de 1902, Lisboa acorda fustigada por intensa chuva e estridente trovoada.
Apesar deste mau tempo, centenas de curiosos já fazem fila na Rua do Ouro, junto ao elevador de Santa Justa, para experimentar este novo serviço público.
Por volta do meio-dia, o Dr. Alberto Cardoso de Menezes, Secretário-Geral do Governo Civil, junta-se ao numeroso número de convidados e jornalistas que o aguardam, procedendo, de imediato, à inauguração desta infraestrutura.
Todos os presentes lamentam que o engenheiro Raul Mesnier de Ponsard, autor desta obra, se encontre ausente por motivos de saúde.
Enquanto uma banda instalada no terraço do prédio do Conde de Tomar executa o Hino da Carta (Hino Nacional de Portugal, entre maio de 1834 e outubro de 1910), girândolas de foguetes iluminam a sombria tarde.
Só no fim de um copo d’água, servido no terraço do elevador, este é aberto ao numeroso público que, com impaciência, aguarda a sua vez de entrar.
Após uma subida vertical, os utentes deste meio de transporte têm ao seu dispor um passadiço que estabelece a ligação com o Largo do Carmo.
Nesse dia, Maria Isabel e o seu filho passam junto ao recém-inaugurado ascensor, quando se dirigem para o consultório de Miguel Laurent.
— Mãezinha, o Elevador de Santa Justa já está a funcionar! Quero subir!
— Não temos tempo! – responde a mãe. — A fila de espera é enorme e o teu pai já deve estar à nossa espera. Ainda temos de jantar e às nove horas começa o teatro. Talvez possamos visitá-lo no próximo domingo.
Visita de Eduardo VII a Portugal
Passagem do Cortejo real pela avenida 24 de Julho, em Lisboa
(Fotografia de Arnaldo da Fonseca)
A 2 de abril de 1903, Lisboa prepara-se para receber, em festa, a visita do monarca britânico Eduardo VII, para reafirmar a aliança entre os dois países.
O Ultimato de 1890, imposto a Portugal durante o reinado da Rainha Vitória, aparenta já ter sido esquecido.
O Yacht Victoria and Albert, escoltado pelos couraçados ingleses Minerva e Venus, estaciona em frente ao Terreiro do Paço às duas e meia da tarde. Um bergantim real conduz Eduardo VII ao Cais das Colunas, onde, num pavilhão ali montado na véspera, é aguardado por D. Carlos I e ilustres figuras do clero e da nobreza, incluindo a Marquesa de Marinhais.
Após os cumprimentos oficiais, o cortejo real segue pela Avenida 24 de Julho, até ao Palácio das Necessidades, onde é servido o jantar e o monarca inglês e a sua comitiva pernoitam.
No dia seguinte, visitam Sintra e Cascais, tendo Eduardo VII ficado impressionado com a Boca do Inferno, um destino turístico já na altura muito apreciado.
Nessa noite, o rei britânico assiste, a partir do Palácio das Janelas Verdes, a um fogo de artifício lançado de uma barcaça a meio do rio Tejo.
Em homenagem a este monarca, o Parque da Liberdade – o maior espaço verde do centro de Lisboa – foi rebatizado Parque Eduardo VII de Inglaterra.
© Jorge Francisco Martins de Freitas, 22-01-2023.
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