Início

A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA



romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 35

Na manhã do dia 8 de março de 1897, Josefina, muito agitada, acorda Maria Isabel.

— Minha senhora, uma das criadas foi levar o pequeno-almoço à mãe de vossa senhoria e ela parece não estar muito bem.

A marquesa ergue-se da cama apressadamente e dirige-se ao quarto ao lado do seu, onde Ana Francisca pernoita desde que Alfredo faleceu.

A mãe aparenta estar a dormir serenamente, mas não reage quando a filha pega na sua mão. Com lágrimas a escorrer pelo rosto, dirige-se a Josefina:

— Vá ao quarto do meu marido e peça-lhe para vir aqui imediatamente.

Passados alguns minutos, Michel Laurent aparece, ainda meio estremunhado, confirmando os piores receios da marquesa: Ana Francisca, que atingiria os 70 anos dentro de dias, havia falecido durante a noite, de morte natural.

Devastada pela dor, Maria Isabel encosta a cabeça no peito do marido, o gesto de maior intimidade que com ele havia tido nos últimos cinco anos.

Centenas de pessoas, de todas as classes sociais, estiveram presentes no funeral de Ana Francisca, realizado no dia seguinte.

No regresso a casa, a marquesa, ainda com os olhos imersos em lágrimas, pega na mão de Michel Laurent, confidenciando-lhe:

— Tinha prometido a mim mesma que nunca mais o aceitaria nos meus braços. Porém, irei cumprir o desejo que a minha falecida mãe há muito acalentava de voltarmos a viver um com o outro. Esta noite ainda ficarei sozinha, mas, a partir de amanhã, poderá voltar para o meu quarto.

Panhard 8 cv

Na manhã de 15 de novembro de 1898, criados percorrem apressadamente os corredores do Palácio da Ajuda, a fim de preparar a festa do nono aniversário do nascimento do infante D. Manuel.

No pátio, Maria Isabel, perceptora do jovem príncipe, conversa animadamente com a rainha consorte, enquanto ambas aguardam a chegada de D. Carlos que se deslocara de madrugada ao porto de Lisboa, a fim de “tratar de um assunto”.

Passados alguns minutos, a carruagem de D. Carlos regressa ao Palácio sem o rei.

— Onde está o meu marido? – pergunta ansiosa, D. Amélia.

— Sua Majestade vai chegar dentro de momentos – responde o cocheiro, ostentando um sorriso enigmático no rosto.

Um grande alarido ecoa no terreiro fronteiro ao palácio. D. Carlos, ao volante de um automóvel Panhard, toca repetidamente a buzina, sendo seguido por um apreciável número pessoas fascinadas com esta viatura que se move sozinha, sem cavalos, produzindo um enorme barulho.

O rei, aparentando ter ainda alguma dificuldade para conduzir este carro, estaciona-o a meio do pátio.

Com tanto barulho, os dois infantes reais, acompanhados de Michel e Pedro Laurent, já haviam descido do piso superior do palácio, juntando-se a D. Amélia e à Marquesa de Marinhais.

Sorridente, D. Carlos desce da viatura, com ligeireza, dizendo:

— Apresento-vos este carro que encomendei no estrangeiro e chegou hoje a bordo de um navio. Anda sozinho, mas é tão poderoso como se fosse puxado por oito cavalos!

— Dou os meus parabéns a Vossa Alteza por ter realizado esta compra – afirma a marquesa. — Tenho conhecimento que já existem em Portugal uma dúzia destes carros movidos a motor.

— Sim. Tem toda a razão – afirma o monarca. — O conde de Avilez já adquiriu, há três anos, um carro idêntico a este e seria uma vergonha se o rei também não possuísse um!

— Conheço o conde Avilez – diz Maria Isabel. — Trata-se de uma jovem aristocrata rural de Santiago do Cacém, no litoral alentejano.

— Sim, é esse mesmo – confirma o monarca. — Realizou a primeira viagem em Portugal numa viatura deste género, desde a margem sul do rio Tejo atá à sua terra.

— No decorrer de um sarau cultural realizado no meu palácio, o conde de Avilez disse-me que, durante essa viagem, atropelou um burro…

— O animal deve ter-se espantado com o barulho do motor. Quando vinha para cá, muitos cocheiros tiveram dificuldade em dominar os cavalos das carruagens sempre que me cruzava com eles, mas, em breve, existirão mais automóveis e os animais ir-se-ão habituando…

Exposição Universal de 1900

Em julho de 1900, Maria Isabel e o marido iniciam uma viagem de dois meses a França, levando consigo o filho.

Michel Laurent há vários anos que desejava regressar àquele país com o intuito de rever familiares e Maria Isabel pretendia estar presente na Exposição Universal de Paris, inaugurada a 14 de abril. Esta viagem ocorreria na mesma altura em que a D. Antónia, acompanhada do marido, também se deslocaria a França para ver a referida exposição, permitindo às duas irmãs de leite um saudoso reencontro.

Maria Isabel e a família chegam à estação ferroviária Gare d'Orsay a 18 de julho, dirigindo-se, de imediato, para o Hotel Ritz, na Place Vendôme, onde D. Antónia e Leopoldo de Hohenzollern-Sigmaringen já se encontram hospedados.

Assim que as duas irmãs de leite se reencontram, abraçam-se com lágrimas nos olhos.

— Querida irmã, quantas saudades! – exclama D. Antónia.

— Também estava desejosa de a ver! – responde Maria Isabel. — Este aqui é o meu filho Pedro. Fez 12 anos em janeiro.

— É um belo rapaz – afirma a princesa, beijando-o, com afeto.

Entretanto, Michel Laurent e Leopoldo de Hohenzollern-Sigmaringen, conversam animadamente, junto ao bar.

Durante o jantar, servido no hotel, Maria Isabel põe a irmã de leite a par dos acontecimentos mais relevantes de Portugal, contando factos ocorridos com D. Carlos I, sua esposa e filhos.

Não podem prolongar muito a conversa, pois, no dia seguinte, terão de se levantar muito cedo, para realizar a primeira visita à Exposição Universal.

O dia amanhece um pouco nublado e frio, mas, em breve, o sol reaparece.

Uma charrete puxada por um elegante cavalo branco leva os Marinhais e os Hohenzollern-Sigmaringen até à exposição.

— Vou deixá-los junto à bilheteira – diz o cocheiro. — Cada entrada custa um franco.

— Nunca tinha visto Paris com tanto movimento – diz Michel Laurent.

— A exposição trouxe uma grande multidão à cidade – informa o cocheiro. — E, além disso, grande parte dos parisienses está na rua para experimentar o metro que é hoje inaugurado. Espero não vir a perder clientes…

Após adquirirem os bilhetes de entrada, começam a percorrer alguns dos 83 mil expositores presentes neste recinto, nascido sob o signo da passagem do século.

A primeira impressão que têm é que se encontram num novo mundo repleto de inovações tecnológicas: escadas e tapetes rolantes, carros movidos a eletricidade e a diesel, baterias de células secas, carros de bombeiros elétricos, filmes falados, gravadores de áudio magnético e até um novo meio de transporte: o troleibus.

Na colina do Palácio do Trocadéro, fronteiro à Torre Eiffel, símbolo da Exposição de 1886, a França é apresentada, em diversos pavilhões, como uma grande potência colonial.

Portugal também está presente com dois pavilhões da autoria do arquiteto Ventura Terra: o pavilhão colonial e o das matas, caça e pesca.

Já no fim do dia, as duas irmãs de leite dão algumas voltas na roda gigante, um dos maiores atrativos desta exposição.

© Jorge Francisco Martins de Freitas, 15-01-2023.
Proibida a reprodução sem autorização prévia do autor.

OUTRAS OBRAS DESTE AUTOR


TOPO