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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA
romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas
Episódio 33
A 1 de janeiro de 1891, Diogo, irmão de Maria Isabel, sai, muito cedo, da sua nova casa no Bairro Alto, com o intuito de estar presente no congresso do Partido Republicano, que se realiza nesse dia.
Teófilo Braga, Manuel de Arriaga, Homem Cristo, Jacinto Nunes, Azevedo e Silva, Bernardino Pinheiro e Magalhães Lima são eleitos para o diretório deste partido, tendo Diogo sido designado porta-voz junto da imprensa.
Durante os trabalhos, o irmão da Marquesa de Marinhais, galvanizado pelos ideais republicanos e pelo fulgor da sua juventude, pede a palavra, formulando o seguinte pedido:
— Caros correligionários: ponhamos imediatamente fim à hegemonia dos Bragança! Os brasileiros já correram com eles, implantando a República, a 15 de novembro de 1889. Façamos imediatamente o mesmo em Portugal!
Teófilo Braga, porém, cerceia o seu entusiasmo, retorquindo:
— A implantação da República tem de ser efetuada a longo prazo! De momento, o nosso partido tem apenas três assentos na Câmara dos Deputados. Teremos de aumentar primeiramente esse número, consciencializando, aos poucos, as mentalidades para os nossos ideais!
Duas das crianças presentes na festa de aniversário de Pedro Mascarenhas de Noronha e Laurent (1)
Na tarde de 17 de janeiro de 1891, a marquesa traz dezenas de crianças da sua escola para a sala do palácio onde normalmente se realizam os serões culturais, a fim de estas estarem presentes na comemoração do terceiro aniversário do seu filho, Pedro Mascarenhas de Noronha e Laurent.
Uma vasta mesa coberta por gostosas sandes, apetitosos doces e deliciosas bebidas encontra-se à disposição das crianças convidadas, discretamente vigidas por criados trajados com alegres fatos de palhaço. Malabaristas executam cómicas piruetas, contribuindo para que a alegria transborde por toda a vasta sala.
Baile anual da Marquesa de Marinhais
Entretanto, na ala esquerda do palácio, criadas preparam o salão de festas para receber os inúmeros convidados para o baile anual da dos Marinhais, considerado uma referência na sociedade lisboeta da época. Este evento realiza-se este ano pela primeira vez em janeiro, para coincidir com o aniversário de nascimento do futuro marquês.
Às nove horas da noite, começam a chegar à sala, profusamente iluminada e aquecida, os primeiros convidados, trajando requintadas vestes mandadas fazer, para esta ocasião, nos melhores alfaiates e modistas da cidade.
O rei e sua esposa são os últimos a chegar. Todos se inclinam perante a augusta presença do casal. A valsa Danúbio Azul começa a ser entoada por músicos do Teatro de São Carlos. Maria Isabel solicita a D. Carlos e a D. Amélia que tenham a gentileza de abrir o baile, pedido imediatamente por estes aceite. A marquesa e o marido começam a dançar pouco depois, seguidos de inúmeros outros pares de convidados.
Levantamento militar contra o governo da Coroa (2)
A 31 de janeiro de 1891, ocorre, no Porto, um levantamento militar contra o governo da Coroa, tendo por principal causa o descontentamento com o caminho que estavam a levar as conversações entre Portugal e a Inglaterra pelo domínio dos territórios entre Angola e Moçambique.
José Vicente Barbosa du Bocage, ministro dos negócios estrangeiros de Portugal e primo, em segundo grau, do poeta Bocage, tinha entregado, a 17 de janeiro, a Sir Glynn Petre, representante em Lisboa de Lord Salisbury, seu congénere inglês, uma carta tentando resolver o litígio entre os dois países, na sequência do Ultimato de 1890.
A referida carta representa praticamente a capitulação dos interesses de Portugal nesses territórios ao afirmar que «[...] teremos penhor seguro de que o governo britânico respeitará e fará respeitar os nossos direitos nas terras que nos restarem. […] Inútil é já alegar direitos, pois o governo de Sua Majestade Fidelíssima [D. Carlos I] apenas procura hoje conciliar o extremo limite dos seus próprios sacrifícios com os interesses que o governo de Sua Majestade Britânica [a Rainha Vitória] sustenta e protege»(3).
As forças revoltosas, constituídas por sargentos e praças vindas do Campo de Santo Ovídio (atual Praça da República), descem a Rua do Almada, até à Praça de D. Pedro (atual Praça da Liberdade), onde, em frente ao antigo edifício da Câmara Municipal do Porto, hasteiam uma bandeira vermelha e verde, símbolo do Partido Republicano. Simultaneamente, o Dr. Alves da Veiga, uma das figuras cimeiras desta revolta, proclama o governo provisório da República.
A multidão sobe, de seguida, a Rua de Santo António (atual Rua 31 de Janeiro), em direção à Praça da Batalha, onde é sustida, com muitos mortos e feridos, pela intervenção da artilharia e fuzilaria da Guarda Municipal, fiel à monarquia(4).
Palácio de Sintra
No início da terceira semana de fevereiro de 1892, Maria Isabel, acompanhada de Josefina, sua criada pessoal, passa três dias no Palácio de Sintra, a convite de D. Amélia.
A rainha consorte de Portugal fica muito grata com a presença da Marquesa de Marinhais, confidenciando-lhe o seu estado de alma:
— O meu marido já não me trata como nos primeiros anos de casados. Desconfio que ele tem uma amante!
— Custa-me a acreditar que Sua Majestade dê atenção a outra dama. Enquanto fui sua perceptora, sempre lhe incuti que a fidelidade conjugal constitui um princípio imprescindível para uma boa harmonia no casamento! – afirma Maria Isabel, tentando acalmar um pouco as desconfianças de D. Amélia.
— Sim, eu sei que lhe deu uma excelente educação, mas ele tem uma boa figura e as mulheres de certos diplomatas sorriem para ele abertamente, mesmo quando estão na minha presença – diz a rainha, denotando alguma insegurança.
— Provavelmente, será apenas uma mera cordialidade da parte delas – responde a marquesa.
— Talvez… E o seu marido, continua a ser-lhe fiel? – indaga D. Amélia.
— Sim, não tenho qualquer razão de queixa. Agradeço muito ter-mo apresentado! – responde Maria Isabel, ostentando um largo sorriso.
A 16 de maio de 1892, a Marquesa de Marinhais regressa a Lisboa, de comboio, quatro horas antes do combinado com o marido, com o intuito de lhe fazer uma surpresa, visitando-o no consultório médico.
À saída da estação do Rossio, Maria Isabel pede a Josefina que a acompanhe numa caminhada pela baixa da cidade, observando as montras das lojas, algumas delas ostentando preciosos vestidos oriundos de Paris.
Ao passarem pela rua do Crucifixo, decidem experimentar o elevador do Chiado, inaugurado no dia anterior. Projetada pelo engenheiro Raoul Mesnier de Ponsard, esta infraestrutura sobe verticalmente pelo interior do edifício do Hotel Universal, permitindo ao publico um cómodo acesso ao alto da rua do Carmo.
Em 1913, este elevador viria a perde o carácter público com a sua integração nos Grandes Armazéns do Chiado, mas continuará a ser utilizado por muitos lisboetas.
Um grande incêndio ocorrido nesta zona a 25 de agosto de 1988, põe fim a este ascensor, após 96 anos de existência.
Rua Garrett, em 1892
Ao fundo, vê-se a fachada do Hotel Universal, no interior do qual existia o elevador do Chiado
Depois de saírem do elevador, sobem a Rua Garrett, a meio da qual se situa o prédio onde o marido de Maria Isabel possui o consultório.
A Marquesa de Marinhais pede à criada para aguardar por ela junto à porta de entrada e, ansiosa por abraçar o marido, sobe os dois lances de escada que a separam do andar onde este exerce a sua profissão.
Àquela hora, este espaço deveria estar ainda repleto de clientes, mas, para sua surpresa, já se encontra encerrado. A marquesa decide utilizar a sua chave para abrir a porta, esperando que o marido ainda não tivesse abandonado o local. Assim que acede à vazia sala de espera, ouve, vindo do gabinete em frente, um intenso arfar. Roda suavemente o manípulo da porta e um espetáculo que nunca mais esquecerá surge à sua frente: a rececionista Rosalina encontra-se seminua, deitada de costas sobre a secretária, enquanto Michel Laurent se inclina sobre ela, realizando um ato revelador de enorme intimidade entre ambos.
© Jorge Francisco Martins de Freitas, 01-01-2023.
Proibida a reprodução sem autorização prévia do autor.
Notas
(1) Origem da imagem: Crianças da Aldeia, uma tela pintada em 1890 por John Singer Sargent (1856-1925)
(2) Origem da imagem: A Illustração, 1891, vol. 8, p. 73
(3) Fonte: Negociações do Tratado com a Inglaterra, Volume IV, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891, n.º 96, pp. 51-52.
(4) Fonte: Diário Illustrado n.º 6407, de 01-02-1891, 20.º ano de publicação, pp. 1 a 3.
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