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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA



romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 31

Ao longo dos últimos 25 anos, a mansão dos Marinhais foi sendo ampliada, passando a ocupar uma superfície seis vezes maior, para poder acolher todos os familiares de Maria Isabel e ter condições dignas para receber as ilustres personalidades que aqui se deslocam no decorrer dos saraus culturais levados a cabo pela marquesa.

O piso térreo do edifício original é agora ocupado por uma ampla sala de entrada, no fundo da qual foi construída uma imponente escadaria de acesso ao piso superior, onde ficam os quartos.

À esquerda, uma porta dá acesso a um vasto salão de baile revestido por faustosos espelhos de cristal, continuado por uma sala de jantar com uma comprida mesa onde se podem sentar sessenta convidados. No fundo dessa dependência, fica a copa e a cozinha.

À direita, situa-se a sala onde a Marquesa de Marinhais realiza os seus serões culturais e o escritório onde dez empregados se encarregam da gestão das propriedades e empresas familiares.

A última transformação no edifício, terminada a 15 de janeiro de 1889, consistiu na reformulação da fachada principal, dando-lhe uma maior imponência. A residência da marquesa é agora um moderno palácio, rodeado de cuidados jardins.

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A 17 de janeiro de 1889, comemora-se o primeiro aniversário de Pedro Mascarenhas de Noronha e Laurent, filho de Maria Isabel.

Estão presentes todos os residentes do palácio dos Marinhais: os pais da criança; a avó Ana Francisca, que atingira recentemente 60 anos de idade e o seu marido Alfredo, dois anos mais velho; e ainda Diogo, meio-irmão de Maria Isabel e sua esposa Madalena, cujo matrimónio se realizara no início de 1880.

D. Carlos e sua esposa, acompanhados do filho Luís Filipe, que fará em breve dois anos de idade, acabam de entrar.

São acolhidos por Michel Laurent.

— É uma grande honra receber Vossas Altezas na minha casa!

— O prazer é todo nosso – responde o casal em uníssono.

O médico aproveita a ocasião para apresentar a D. Carlos os sentimentos pela morte prematura da sua filha, a infanta Ana de Bragança, ocorrida a 14 de dezembro do ano anterior.

— Infelizmente, a nossa filha só sobreviveu três horas – lamenta D. Amélia de Orleães.

Residentes e convidados sentam-se na vasta mesa da sala de jantar, sendo servidos por três criados impecavelmente fardados. O aniversariante permanece junto à sua mãe, vigiado por uma jovem criada.

Após a refeição, o futuro rei levanta-se e, erguendo na mão uma taça de vinho do Porto, dirige-se a Maria Isabel dizendo:

— Desejo as maiores felicidades para o futuro Marquês de Marinhais.

Todos se erguem igualmente da mesa, juntando-se a esta saudação.

— Como sabem, a Marquesa de Marinhais foi minha preceptora – diz D. Carlos. — Gostaria de a convidar a ser também educadora do meu próximo filho varão.

— Aceito o convite de Vossa Alteza e tentarei fazer o meu melhor pela educação do futuro infante – afirma Maria Isabel.

Raul Ronson Mesnier de Ponsard, construtor do inúmeros funiculares e elevadores em Portugal, incluindo o da Nazaré, aqui apresentado

A 25 de julho de 1889, a marquesa, acompanhada do marido e do filho, vai, durante uma semana, “a banhos” para a praia da Nazaré, tendo a oportunidade de estar presente na inauguração, três dias mais tarde, do funicular a vapor entre a praia e o cimo do ingreme promontório com 110 metros de altura que ali se inicia, um projeto do engenheiro português de origem francesa Raul Ronson Mesnier de Ponsard.

Nascido no Porto, a 2 de abril de 1848, Raul Mesnier foi o construtor de inúmeros elevadores e funiculares em Portugal. Para além deste, são da sua autoria o elevador do Bom Jesus, em Braga, a primeira versão do Funicular dos Guindais, no Porto, e os elevadores da Lavra, Glória, Santa Justa e Bica, em Lisboa.

Construiu, igualmente, o Comboio do Monte, no Funchal, e os elevadores da Biblioteca, Estrela, Graça, Chiado e São Sebastião, em Lisboa, todos infelizmente já extintos.

Faleceu em Inhambane, Moçambique, a 26 de maio de 1914.

D. Luís I pouco antes da sua morte

Há várias semanas que circula entre o povo a notícia que o rei D. Luís I padece de uma grave doença, embora os jornais não teçam qualquer informação.

O Diário do Governo também mantém um inexplicável mutismo sobre este assunto, levando as forças da oposição a interrogar-se sobre a verdadeira situação clínica do monarca.

A 15 de outubro de 1889, aquela folha oficial quebra finalmente o silêncio, apresentando um aterrador boletim:

Só em última instância O Diário do Governo apresentaria um comunicado como este, levando a população a presumir que o monarca estaria prestes a morrer.

E assim sucede. A 19 de outubro de 1889, Sua Majestade termina o seu martírio.

O povo vem para a rua, trajado de luto. A encantadora Lisboa transforma-se num lugar lúgubre. As armas reais são envoltas em crepes, os sinos dobram a finados, tiros de canhão ecoam sinistramente, as lojas apresentam-se com meia-porta aberta, os edifícios públicos e os teatros estão encerrados e todos os jornais ostentam uma tarja negra.

Mais tarde, saber-se-ia que a ausência de notícias sobre o estado de saúde do rei fora uma iniciativa de D. Maria Pia, que sentia repugnância em partilhar com a população o terrível sofrimento do marido, pois, por experiência própria, tinha-se apercebido que, imediatamente após a publicação desses comunicados sobre a sua família, ocorria a morte do enfermo.

Há pelos menos dois anos que o rei apresentava alguns sintomas inerentes a esta doença, tendo a mesma se agravado nos últimos meses. Dois ilustres médicos estrangeiros, um alemão, outro austríaco, foram chamados para diagnosticar o mal de que o rei padecia, mas todos eles concordaram com o parecer emitido pelos seus colegas portugueses, corroborando não haver qualquer esperança no seu restabelecimento.

Antes do monarca morrer, muitos boatos sobre a sua saúde corriam pela cidade de Lisboa. Num deles, afirmava-se que D. Maria Pia tinha perguntado ao médico alemão se o seu marido estava em condições de se mudar para a cidadela de Cascais, tendo recebido a seguinte resposta:

— É inteiramente indiferente para o enfermo ir ou não ir. No estado em que está, nada lhe faz mal, do mesmo modo que nada lhe faz bem.

A permanência do rei em Cascais aparentou dar-lhe um pouco de ânimo, mas a morte do seu querido irmão, o infante D. Augusto, ocorrida a 26 de setembro de 1889, marcou-o profundamente, aumentando a gravidade da sua doença.

Após a morte de D. Luís I, D. Maria Pia curva-se perante o filho D. Carlos, beija a sua mão e diz:

— O Rei está morto, viva o Rei. Meu filho, abençoe-te e praza a Deus que sejas tão bom rei como ele o foi e como tu desejas sê-lo.

Como sucede em todas as monarquias, o novo rei faz a sua proclamação:

A seguir, D. Carlos I procede ao juramento como chefe da nação, terminando a sua proclamação declarando que lhe «apraz que os atuais ministros e secretários de estado continuem no exercício das suas funções».

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A 15 de novembro de 1889, nasce, no Palácio de Belém, D. Manuel, terceiro filho de D. Carlos I e sua esposa D. Amélia de Orleães.

É batizado um mês mais tarde, tendo sido seu padrinho o avô materno, o príncipe Luís Filipe, Conde de Paris, e sua madrinha a avó paterna, a Rainha D. Maria Pia. Marcou presença nesta cerimónia D. Pedro II, antigo imperador do Brasil, deposto do trono no mesmo dia em que o novo infante nasceu.

A sua educação fica a cargo da Marquesa de Marinhais, conforme tinha sido combinado. Mal sabia ela que aquele infante um dia ascenderia ao trono como D. Manuel II e seria o último rei de Portugal!

© Jorge Francisco Martins de Freitas, 18-12-2022.
Proibida a reprodução sem autorização prévia do autor.


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