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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA



romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 30

A 17 de janeiro de 1888, às dez horas da manhã, nasce Pedro Mascarenhas de Noronha e Laurent.

Nesse dia, Michel não foi trabalhar, ficando a ajudar a parteira no nascimento da criança. Apesar de ser médico, sente um certo nervosismo, receando que surja algum problema. Felizmente, o parto decorre com normalidade e, quando este se apercebe que a esposa acaba de gerar um filho varão, exulta de alegria.

Depois da criança ter sido lavada e vestida, a mãe acolhe-a carinhosamente nos braços, expressando um cativante sorriso.

Pouco depois, os restantes familiares são autorizados a entrar no quarto. A avó Ana Francisca coloca suavemente o neto no regaço, afagando a sua cabecita, enquanto o pai beija a esposa com ternura.

O nascimento do futuro Marquês de Marinhais enche a mansão de exuberante felicidade!

Carnaval de 1888, em Lisboa

A 13 de fevereiro de 1888, segunda-feira gorda, a artéria central da Avenida da Liberdade encontra-se repleta de publico para assistir à Batalha das Flores.

É a segunda vez que este evento carnavalesco ocorre em Lisboa, organizado por meia dúzia de damas e cavalheiros da alta sociedade, incluindo Sua Majestade, a Rainha consorte D. Maria Pia.

Jardins de Sintra, do Porto e de Viseu e quintas pertencentes a nobres forneceram camélias, violetas e outras flores da estação destinadas a enfeitar as carruagens, os carros e os cavalos dos participantes, sendo igualmente usadas como suaves projéteis lançados entre damas e cavalheiros.

O público assiste a este evento gratuitamente, cabendo aos participantes pagarem uma verba pela sua presença no desfile, revertendo o dinheiro angariado para a construção de um hospital e para os cofres de beneficência da Câmara Municipal de Lisboa.

O dia amanhece chuvoso, pondo em causa a realização desta festa, mas, às catorze horas, o sol rompe entre as nuvens, para alegria do público e participantes.

Dois carros são considerados os mais vistosos: o do Visconde da Penha Longa carregado de feno e flores puxado por bois e o da Marquesa de Marinhais com pipas de vinho do Porto envoltas em vistosas parras e flores campestres. Familiares dos participantes seguem nessas viaturas. Na de Maria Isabel encontra-se a própria, acompanhada de Diogo e sua esposa. Michel Laurent, trajado à Luís XV, também marca presença, montando um galhardo cavalo branco.

Crianças mascaradas são visíveis em grande número na maioria dos carros, prestando uma nota graciosa ao desfile.

A festa prometia continuar por mais tempo, mas uma forte chuvada começa a cair, pondo todos em debandada.

Assim termina este evento carnavalesco que rendeu mais de um conto de réis.

Nessa noite, Maria Isabel põe de lado o jornal para se dirigir ao marido:

— Acabo de ler que, no Brasil, a Senhora D. Rita Lobato Velha Lopes, natural do Rio Grande do Sul, acaba de se formar em medicina, tornando-se na primeira médica daquele país.

— Isso é ótimo! – responde Michel. — Era bom que também fosse facultado às mulheres portuguesas o acesso à Universidade, nomeadamente ao curso de medicina.

Tuna Compostelana

Na última semana de fevereiro de 1888, Maria Isabel convida o marido, a mãe e o padrasto para assistirem, no Teatro de São Carlos, a um espetáculo da Tuna Compostelana, promovido por sua iniciativa e de outras senhoras da alta sociedade, com destaque para a duquesa de Palmela.

Esta tuna, que já havia atuado com muito êxito nas cidades de Coimbra e do Porto, é entusiasticamente recebida neste teatro lisboeta, preenchendo completamente o palco, dado o elevado número de estudantes que a constituem. Vestidos com pitorescos trajes, sentam-se em semicírculo, cantando e tocando músicas populares e estudantis do seu país com recurso a violas, guitarras, pandeiretas, violinos e flautas, enquanto na sua frente um elemento rodopia a bandeira espanhola.

Tuna Académica da Universidade de Coimbra

Neste mesmo ano, é fundado, em Portugal, um agrupamento idêntico: a Tuna Académica da Universidade de Coimbra.

Garrafa de vinho do Porto

Por esta altura, o engenheiro inglês Ashley, de Ferrybridge, inventa um novo processo do fabrico do vidro que permite dispensar o sopro aplicado pelos operários, transformando essa tarefa numa operação automatizada.

A Marquesa de Marinhais decide entrar para uma sociedade vidreira da Marinha Grande, a fim de ali implementar este novo método no fabrico das garrafas de vinho do Porto destinadas às suas vinhas do Douro.

Ópera Dona Branca, de Alfredo Keil

A 10 de março, a Marquesa de Marinhais e alguns elementos da sua família estão presentes no Teatro de São Carlos, a fim de assistirem à estreia da ópera Dona Branca, de Alfredo Keil, autor que se notabilizaria, em 1891, ao compor a música de A Portuguesa, atual Hino Nacional de Portugal.

Palácio da Junquira

Lisboa inteira está em alvoroço! Anuncia-se, para 12 de março, o primeiro baile dado pelo conde de Burnay, para o qual Maria Isabel e o marido estão convidados.

Chegada a noite desse dia, centenas de carruagens com distintas e notáveis personalidades dirigem-se para a Junqueira, onde se situa o palácio do conde.

Cavalheiros elegantemente vestidos, levando pelo braço damas trajando sumptuosos vestidos e ostentando valiosas joias vão-se espalhando pelas diversas salas repletas por vitrines com preciosas louças, incluindo diversos conjuntos de pratos de Sevres. Nas paredes encontram-se pendurados valiosos quadros e estátuas em marfim ocupam todos os cantos.

Os degraus da escada que conduzem ao piso superior estão cobertos por plantas exóticas também presentes nas estufas que rodeiam o palácio.

Na Sala de Baile, coberta por faustosos espelhos com molduras douradas, a luz quente e avermelhada dos candeeiros a gás produz um efeito mágico entre os pares que dançam ao saber de valsas e polcas.

Grande Hotel de Paris

Maria Isabel e Michel chegam na tarde de 20 de março ao Porto, ficando hospedados no Grande Hotel de Paris, antes de partirem para Pinhão.

O médico desloca-se ao teatro Baquet, a fim de adquirir bilhetes para assistir, nessa noite, à zarzuela Gran Via, mas os ingressos já estão todos vendidos, tendo regressado, desiludido, ao hotel. Em sua substituição, decidem realizar um passeio noturno pela Praça D. Pedro IV, atual Praça da Liberdade.

Incêndio no Teatro Baquet

A dado momento, um pavoroso incêndio ilumina a noite. Rapidamente ficam a saber que o Teatro Baquet está a arder.

Durante a representação da zarzuela, uma das gambiarras roça pelas bambolinas, pegando-lhes fogo. As lavaredas começam a sair do palco, envoltas em fumo negro. Os camarotes são os primeiros a pegar fogo. Os espetadores tentam fugir para o exterior, mas alguns caem no chão impedindo a saída dos que vinham atrás. Gritos lancinantes ecoam pela sala e corredores do teatro.

Ruínas do Teatro Baquet do lado da Rua Sá da Bandeira e aspeto desta artéria no dia seguinte ao do incêndio

Com muito esforço, os bombeiros conseguem apagar o incêndio, ficando horrorizados com os montões de corpos que jazem carbonizados no interior do teatro.

Maria Isabel e o marido ficam em estado de choque, agradecendo a Deus não terem conseguido bilhetes para a sessão dessa noite.

Linha de Cintura de Lisboa
Viaduto e Túnel de Xabregas

A 20 de maio de 1888, é aberta ao público a Linha de Cintura de Lisboa.

Tem início em frente ao convento da Madre de Deus, apresentando logo ali uma obra de arte: um viaduto, com 83 metros, constituído por uma estrutura metálica assente sobre quatro pilares de alvenaria, formando cinco tramos independentes, apetrechados com um anteparo metálico para evitar que as faúlhas expelidas pelas máquinas a vapor caiam sobre a fábrica de fiação de algodão que se situa sob esta edificação

Segue-se um túnel com 200 metros de comprimento, metade em curva e metade em reta.

A linha prossegue através do vale de Chelas, cuja estrada atravessa obliquamente por um viaduto metálico com 18 metros de extensão.

Dois pequenos pontões depois, cruza a estrada numa passagem de nível, no sítio da Fonte do Louro.

Posteriormente, atravessa, ainda, as estradas da Charneca e Lumiar através de uma passagem de nível fechada por cancelas.

O percurso, até aí, é sempre a subir, atingindo o patamar de 336,70 metros, passando, a partir desse ponto, a descer, até entrar na linha de Alcântara a Sacavém.

© Jorge Francisco Martins de Freitas, 11-12-2022.
Proibida a reprodução sem autorização prévia do autor.

Créditos

A maioria das imagens deste episódios foram retiradas de revistas Occidente publicadas em 1888.

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