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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA



romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 29

A ideia de Maria Isabel e seu noivo passarem a lua de mel no Palácio de Queluz partira do próprio monarca D. Luís I. Ficaram instalados no quarto onde faleceu, a 24 de setembro de 1834, o primeiro imperador do Brasil.

A Marquesa de Marinhais, envolvida nas carícias que o marido lhe dedica, sente-se completamente apaixonada, abrindo o seu coração:

— Meu amor, estou muito feliz por ter casado consigo!

— Eu também, Maria Isabel!

No dia seguinte, ambos acordam já tarde, voltando a abraçar-se. Um criado coloca na mesa existente no quarto um delicioso pequeno-almoço.

São os únicos hóspedes deste encantador palácio, que, apesar de ter sido construído à imagem de Versalhes, raramente é utilizado pela família real.

No momento, apenas nove serviçais estão presentes nas instalações: uma governanta, um criado de mesa, duas criadas para o serviço de limpeza, uma cozinheira com a respetiva ajudante, um cocheiro e dois jardineiros. A segurança é exercida por seis elementos da Guarda Real.

Nessa tarde e no dia imediato, dão longos passeios de mãos dadas pelos extensos jardins, dirigindo-se para o interior do palácio apenas para tomar as refeições na luxuosa Sala de Jantar.

Ao terceiro dia, encetam a viagem de regresso.

Uma charrete do palácio conduz os noivos até à estação de Queluz, a fim de apanharem o comboio para Lisboa. A linha ferroviária de Sintra tinha sido inaugurada havia 17 dias, constituindo um grande progresso para a região.

Durante a viagem, observam verdejantes campos, salpicados por leiras de alfaces. Junto das pequenas povoações que vão surgindo durante o percurso, crianças descalças acenam alegremente à passagem da composição ferroviária.

Após terem ultrapassado Porcalhota (atual Amadora) e Benfica, atravessam o viaduto de Sant’Ana, chegando à estação de Alcântara pelo túnel dos Terramotos (atual túnel de Alcântara), com 550 retilíneos metros de comprimento. A linha de Sintra termina nesta extensa gare, construída em grande parte sobre um antigo caneiro.

Estação de Alcântara, em 1887

Michel deixa a esposa na sala de espera, enquanto se dirige ao chefe da estação para lhe pedir que as suas duas malas permaneçam mais algum tempo no vestíbulo das bagagens, até uma charrete da mansão dos Marinhais as ir buscar.

Saem da gare pela porta do lado poente, coberta por uma marquise sob a qual já se encontra um veículo americano da Companhia Carris de Ferro, puxado por dois cavalos. Embora a sua residência fique perto, decidem apanhar este meio de transporte disponível em Lisboa desde 17 de novembro de 1873.

São alegremente recebidos pela família de Maria Isabel, encaminhando-se, de imediato, para a ala norte da mansão, recentemente construída, onde um enorme quarto ostentando um luxuoso dossel os aguarda.

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D. Antónia e Leopoldo de Hohenzollern-Sigmaringen permanecem em Portugal até 19 de maio, realizando passeios em Sintra, Mafra e Praia das Maçãs, na companhia de Maria Isabel e do médico Michel Laurent, sempre que este consegue ausentar-se do consultório.

Durante este período, participam em dois saraus realizados na mansão dos Marinhais. Num deles, está presente o escritor Ramalho Ortigão que tece uma dissertação sobre A Relíquia, a mais recente obra de Eça de Queiroz.

Os espetáculos culturais levados a cabo em Lisboa ombreiam com os realizados nas grandes cidades europeias. Entre os eventos a que ambos os casais assistem, destacam-se dois:

Em primeiro lugar, a comédia em três atos Un Parisien, de Edmond Gondinet, representada em francês no Teatro D. Maria II pelo grande ator que criou o papel na Comedie Française, o célebre Benoît-Constant Coquelin. Esta peça já havia sido apresentada, em abril, no mesmo teatro, traduzida para português por Aristides Abranches, tendo contado com o desempenho de Augusto Rosa e Rosa Damasceno.

Em segundo lugar, um espetáculo com a cantora Amalie Friedrich-Materna, prima-dona da Ópera de Viana de Áustria e uma das principais executantes da música wagneriana.

Apesar de toda esta atividade de âmbito cultural, as duas irmãs de leite ainda encontram tempo para recordar os bons momentos da sua infância.

Na hora da partida da filha de D. Maria II para o seu longínquo palácio, em Sigmaringen, ambas se abraçam, chorosas, na estação de Santa Apolónia:

— Querida irmã, quando nos voltaremos a ver? – pergunta D. Antónia.

— Talvez daqui a uns meses eu possa ir ter consigo – responde Maria Isabel. — Os caminhos de ferro facilitam imenso as viagens!

— De qualquer maneira, continuaremos a comunicar uma com a outra através de carta – conclui D. Antónia.

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A 30 de maio, uma triste notícia abala Maria Isabel: o doutor Fonseca, que há muitos anos a apoiava na administração das propriedades dos Marinhais e lhe transmitia preciosos conselhos, morre, serenamente, aos 82 anos de idade.

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Em junho, Maria Isabel apercebe-se que se encontra grávida, o que a deixa felicíssima.

Michel redobra os cuidados dispensados à esposa, aconselhando-a a moderar um pouco as suas atividades para que a criança que traz no ventre se desenvolva sem qualquer sobressalto.

Em agosto, quando a gravidez já é visível, a Marquesa de Marinhais recebe um telegrama anunciando que o feitor das suas propriedades no Douro havia falecido, pelo que decide deslocar-se ao Norte para acompanhar o funeral e arranjar um novo encarregado.

O marido aconselha-a a não sair de Lisboa, devido ao seu estado de gravidez, mas esta lembra-lhe que é responsável pelos bens herdados do avô, cabendo-lhe, por isso, administrar todas as propriedades.

Ao princípio da tarde, a marquesa embarca na estação ferroviária de Santa Apolónia, em direção ao Porto, acompanhada pela mãe e por Michel que acaba por concordar com esta viagem, para não desagradar à esposa. Naquela cidade, apanham outro comboio até Pinhão, local onde se localiza a maior parte das suas vinhas, só ali chegando de madrugada.

Os Marinhais apresentam condolências a Deolinda, mulher do falecido e a Humberto, único filho do casal.

Após o funeral, Maria Isabel dirige-se ao marido, dizendo:

— Estou a pensar nomear o Humberto como meu feitor. Ele já ajudava o pai a administrar as minhas vinhas, pelo que penso ser a pessoa indicada para essa tarefa. O que acha?

O médico nunca imaginara que as propriedades da sua esposa fossem tão extensas e se apresentassem tão cuidadas. Considera que a escolha da mulher é acertada, mas apenas responde:

— Querida esposa: compete a si tomar decisões sobre o seu património. O meu único dever é tratá-la bem, para que se sinta feliz!

Ana Isabel cada vez está mais convicta de haver feito um bom casamento. Homens que honram a sua palavra, como Michel o faz, são uma preciosidade.

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Em 1887, no campo cultural, surge o grupo Vencidos da Vida, constituído por relevantes intelectuais, e é fundada a Associação Académica de Coimbra; no campo ferroviário, são abertos ao público dezenas de estacões e apeadeiros, a ponte de Ferradosa sobre o rio Douro, a ponte internacional sobre o rio Águeda, o túnel de Alcântara, na Linha de Cintura e o túnel da Sapataria, na Linha do Oeste; no campo internacional, é assinado o Tratado de Amizade e Comércio Sino-Português.

© Jorge Francisco Martins de Freitas, 04-12-2022.
Proibida a reprodução sem autorização prévia do autor.


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