Início

A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA



romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 28

O infante D. Luís Filipe, neto de D. Luís I e presumível herdeiro da coroa portuguesa caso seu pai, D. Carlos, venha a ascender ao trono, fora batizado, no dia do seu nascimento, pelo cardeal-patriarca de Lisboa, mas a cerimónia oficial só decorre a 14 de abril de 1887.

Às 13 horas desse dia, duas carruagens saem do Palácio de Belém, pela porta da calçada do Galvão, em direção ao Palácio da Ajuda, precedidas por esquadrões de lanceiros.

Na primeira carruagem seguem D. Amélia e sua dama de companhia, Mariana das Dores de Melo, Condessa de Sabugosa. Ambas acariciam ternamente as róseas faces de D. Luís Filipe, aninhado nos braços de sua ama.

Na segunda carruagem surge a majestosa figura do príncipe D. Carlos, acompanhado pelo seu dedicado amigo António Augusto Duval Teles e por José Ferreira Pereira Felício, 2.º Conde de São Mamede.

O cortejo é recebido à porta da capela real da Ajuda pelo cardeal-patriarca de Lisboa, elementos do governo, deputados das duas câmaras, grandes do reino e familiares dos Bragança e dos Orleães.

Maria Isabel e D. Antónia acompanhadas dos infantes D. Augusto e D. Afonso, respetivamente irmão e filho do monarca, aproximam-se do altar-mor, onde o duque de Palmela já se encontra, segurando, numa salva de prata, as alvas vestes que serão utilizadas pelo neófito real nesta cerimónia. Ao lado, num dos dois dourados berços para aqui trazidos, é deitado o recém-nascido príncipe, a fim de este descansar durante a liturgia que antecipa a sua ida à pia batismal.

Após o cardeal-patriarca fazer uma breve, mas elaborada dissertação, D. Luís Filipe é trajado a rigor, processando-se o seu batismo.

Um Te-Deum, escrito expressamente para este evento pelo maestro Rio de Carvalho, completa esta cerimónia.

Em seguida, a família real dirige-se para o interior do Palácio da Ajuda, recebendo, na Sala do Trono, as felicitações de todas as personalidades que estiveram presentes na cerimónia religiosa.

À noite, durante o jantar de gala ali realizado, Maria Isabel pede para se sentar ao lado dos duques de Montpensier, primos do seu futuro marido Michel Laurent, que vieram a Lisboa propositadamente para estarem presentes neste batizado. No dia anterior, o médico tinha-os visitado no Palácio das Necessidades, onde estes ficaram alojados, convidando-os para serem seus padrinhos no enlace com a Marquesa de Marinhais, que se realizará no próximo sábado. Os padrinhos da noiva serão D. Antónia e seu marido Leopoldo de Hohenzollern-Sigmaringen.

Enquanto o rei D. Luís I faz um eloquente discurso em francês dirigido a todos os convidados, o povo celebra, nas ruas de Lisboa, o batismo de D. Luís Filipe.

Várias zonas encontram-se profusamente iluminadas para a realização de festejos, assim como alguns edifícios privados, designadamente as residências do conde de Burnay, do Conde de Restelo e da Marquesa de Marinhais.

Casamento de Maria Isabel

Chega finalmente o dia 16 de abril de 1887, data do matrimónio, aos 42 anos de idade, de Maria Isabel.

Na noite anterior, choveu com intensidade, mas, ao amanhecer, o sol rompe as nuvens, iluminando radiosamente a cidade de Lisboa.

O corredor central da Igreja de São Domingos, ornamentado lateralmente por buquês de narcisos e rosas, encontra-se coberto por uma vistosa passadeira vermelha, desde a entrada até ao altar, local onde sobressai um precioso paramento barrado com croché contendo motivos religiosos, ofertado pelos noivos a este templo.

Os convidados, maioritariamente pertencentes à alta nobreza portuguesa, vão entrando na igreja, trajados com elegância.

Alguns familiares do noivo, incluindo os seus pais, deslocaram-se a Lisboa, vindos de França, para estarem presentes nesta cerimónia, tendo ficado alojados na mansão da Marquesa de Marinhais.

Quando Sua Majestade o Rei D. Luís I entra no templo, acompanhado de D. Maria Pia e dos infantes D. Afonso e D. Augusto, todos os presentes se levantam respeitosamente.

Pouco depois, chega o príncipe D. Carlos e sua esposa, D. Amélia de Orleães, acompanhados por D. Antónia e Leopoldo de Hohenzollern-Sigmaringen.

O noivo, ladeado por sua mãe, permanece no altar de pé, esperando a noiva. À sua volta, vão-se posicionando as damas de honor, as madrinhas e os padrinhos.

Ao som da marcha nupcial de Mendelssohn, interpretada por músicos da orquestra do Teatro de São Carlos, a noiva entra no templo, conduzida por Diogo, seu meio-irmão.

À medida que a Marquesa de Marinhais percorre a passadeira vermelha, trajando um elegante vestido de noiva vindo diretamente de Paris, a sua mãe Ana Francisca não consegue evitar que lágrimas lhe humedeçam o rosto. Quão distante está o dia 17 de fevereiro de 1845, altura em que deu à luz a filha, num exíguo quarto da zona dos serviçais do Palácio de Belém, sem poder contar com o auxílio de uma parteira ou qualquer outra pessoa. Nos anos seguintes, embora alimentasse a esperança de vir a casar-se com o pai da criança, passando a fazer parte da alta nobreza, nunca imaginou que a filha alcançaria uma elevada posição social, a ponto do seu casamento contar com a presença de toda a família real.

Emocionada com esta cerimónia, também pelo rosto de D. Antónia escorrem lágrimas, recordando o tempo em que ela e a sua irmã de leite percorriam despreocupadamente os jardins do Palácio das Necessidades, despontando para os primeiros amores da adolescência.

Maria Isabel, emanando uma enorme felicidade, aproxima-se do noivo, que a aguarda junto ao altar, desejando que este nunca a desaponte, cumprindo com rigor o que se encontra estipulado no acordo pré-nupcial.

O cardeal-patriarca de Lisboa, chamado a oficializar este matrimónio, tece, durante a missa, uma cuidada homilia baseada no milagre das bodas de Caná, segundo o Evangelho de São João.

Rapidamente se espalha pela Baixa de Lisboa que Sua Majestade o Rei se encontra na Igreja de São Domingos como convidado de um casamento, levando a que uma enorme multidão se concentre junte a este templo. Os noivos são os primeiros a sair, recebendo os aplausos dos presentes, mas a ovação redobra assim que surgem os primeiros elementos da família real.

Inúmeros coches estacionados no Largo de São Domingos e no Rossio aguardam pelos convidados, a fim de os conduzir à mansão dos Marinhais, onde irá ser servido o copo d’água.

Durante o trajeto, precedido por elementos da Guarda Real, a comitiva é ovacionada por populares.

Os terrenos que circundam a mansão dos Marinhais estão ocupados por uma extensa tenda no interior da qual a boda se irá realizar, não deixando espaço para as viaturas ali permanecerem, pelo que fica decidido recolhê-las, até ao fim do evento, no Palácio das Necessidades, situado a curta distância.

Os convidados são distribuídos por quatro extensas mesas paralelas, cobertas por finas toalhas de linho bordado sobre as quais estão colocados pratos individuais de porcelana, copos de cristal e preciosos talheres banhados em prata. As coberturas laterais da tenda encontram-se erguidas, permitindo que a luz penetre no seu interior. Diversos candelabros a gás ajudam a complementar a iluminação.

Criados impecavelmente fardados começam por servir as entradas, constituídas, entre outras iguarias, por mariscos envoltos em limão, folhados de faisão e diversos tipos de queijos.

Após um delicioso consomê, é servida, a cada um dos presentes, uma posta de peixe espada preto, vindo expressamente da ilha da Madeira, seguida de um churrasco de lombinhos de vitela e febras de javali, tudo acompanhado por vinho branco e tinto das propriedades que a Marquesa de Marinhais possui no Douro.

No final do repasto, para acompanhar as sobremesas, são trazidos diversos licores e vinho do Porto.

Segue-se um baile nos jardins da mansão, animado por um conjunto de músicos oriundos de Viena de Áustria, que se encontram em digressão pelo país.

No fim da festa, um coche, puxado por quatro soberbos cavalos, conduz os noivos até ao Palácio de Queluz, onde estes vão passar a lua de mel.


© Jorge Francisco Martins de Freitas, 27-11-2022.
Proibida a reprodução sem autorização prévia do autor.



* * * * * * * *

A imagem representando o casamento de Maria Isabel, a irmã de leite da princesa D. Antónia, é adaptada da pintura de Johann Hamza (1850 - 1927) intitulada O Casamento.


OUTRAS OBRAS DESTE AUTOR


TOPO