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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA



romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 27

Na madrugada de 27 de março de 1887, Maria Isabel está prestes a partir da estação ferroviária de Santa Apolónia, acompanhada do rei D. Luís I.

Têm como destino o Entroncamento, onde vão aguardar a chegada de D. Antónia de Bragança que vem passar algumas semanas em Portugal, após 21 anos de distanciamento.

Os rostos de ambos emanam uma profunda alegria. As saudades que Maria Isabel tinha de sua irmã de leite já haviam sido colmatadas durante o périplo que realizara pela Europa; mas, para D. Luís, este reencontro é ainda mais emocionante, pois as recordações que detém da sua irmã remontam ao período da juventude.

A separação entre infantes reais é muito frequente nas cortes europeias. Quando se casam, passam a viver longe, com as novas famílias. Nunca mais vira a Maria Ana, entretanto falecida em Dresden, aos 40 anos de idade; mas, pelo menos, irá ter a felicidade de rever a sua outra irmã.

A luxuosa carruagem real, atrelada ao comboio que segue para a cidade do Porto, proporciona a ambos uma agradável viagem. Assim que esta chega ao Entroncamento, é separada da restante composição que continua o trajeto para o seu destino.

As várias cidades europeias já estão ligadas por via ferroviária, sendo este o melhor e mais rápido meio de transporte.

Passada meia hora, surge o comboio onde viaja D. Antónia, acompanhada do marido. Assim que esta desce da carruagem, D. Luís abraça-a afetuosamente, não conseguindo reter as lágrimas de comoção que lhe escorrem pelo rosto. A sua irmã está mais velha, mas a beleza de que esta sempre fora detentora continua a proporcionar-lhe o mesmo encanto juvenil de outrora.

Seguidamente, é a vez das duas irmãs de leite se cingirem num prolongado abraço.

Entretanto, o comboio vindo do Norte chega ao Entroncamento, atrelando a carruagem real para a levar de volta a Santa Apolónia.

Não houve qualquer festividade oficial para receber a irmã do rei, em virtude desta visita possuir um cariz íntimo.

No entanto, o povo da capital, avisado da chegada da infanta, recebe-a calorosamente à saída da estação.

A tarde apresenta-se cálida, projetando raios luminosos sobre o rio Tejo. Quão distinto é este panorama das gélidas paisagens do centro da Europa! D. Antónia sente-se remetida para a sua infância, sorrindo abertamente.

No percurso pelas ruas de Lisboa, a população, comovida por ver novamente a sua princesa, espelha uma enorme alegria. Em alguns rostos surgem lágrimas de felicidade que perduram para além da passagem do landau real, puxado por quatro soberbos equídeos lusitanos.

Esta manifestação popular revela-se mais preciosa que todas as cerimónias oficiais que tivessem sido realizadas, comovendo profundamente D. Antónia. Está entre as suas gentes, no seio da terra que fora o seu berço, banhada por amenos raios de sol que valorizam ainda mais as suas rosadas faces e emprestam um louro colorido aos seus vistosos cabelos.

Chegados ao palácio da Ajuda, inúmeros criados, vestidos a rigor. fazem alas para a passagem de Sua Majestade e seus acompanhantes.

D. Antónia reconhece um dos servidores do palácio, detendo-se alguns instantes a conversar com ele.

Sobem ao primeiro andar do edifício, onde o mordomo real distribui um aposento para D. Antónia, mas esta, ao verificar que ficará longe do quarto que está atribuído a Maria Isabel, solicita que ambas permaneçam em instalações contíguas, como sucedia durante a sua juventude.

Depois de um faustoso banquete servido na sala de jantar do palácio, as duas irmãs de leite reúnem-se, sentando-se numa pequena saleta que estabelece a ligação entre os seus aposentos.

— Já tinha muitas saudades de Lisboa – diz D. Antónia. — Preferia ter ficado no Palácio das Necessidades, para darmos longos passeio na Tapada, mas haveremos de lá ir.

— Sim, haveremos, mas amanhã deslocar-nos-emos, da parte da tarde, ao Palácio de Belém, onde nascemos – responde Maria Isabel. — Quem agora ali vive, desde que se casou com D. Amélia, é o seu sobrinho D. Carlos. Ele era para ter estado presente no banquete de hoje, mas não conseguiu regressar a tempo de Vila Viçosa, onde foi caçar.

— Estou desejosa de o voltar a ver e conhecer a sua esposa. O meu irmão disse-me que eles já têm um filho, nascido há seis dias.

— Sim. É o Luís Filipe. Iremos conhecê-lo amanhã.

Ambas ficam a conversar até perto da meia-noite, tentando pôr em dia assuntos que já tinham referenciado na correspondência que trocavam com regularidade.

— O seu marido deve estar desejoso que regresse ao quarto – lembra Maria Isabel.

— Tem razão! Vou para junto do Rudolfo. Voltaremos a ver-nos amanhã!

O dia seguinte amanhece resplandecente, como se a natureza quisesse proporcionar as boas-vindas a D. Antónia.

Depois do almoço, uma charrete conduz as duas irmãs de leite até ao Palácio de Belém, onde já eram aguardadas por D. Amélia.

— Tenho muito prazer em a conhecer! – afirma a esposa de D. Carlos, dirigindo-se, com amabilidade, à sua tia D. Antónia.

Ao colo de uma ama, Luís Filipe, apesar da sua ainda tenra idade, aparenta ter esboçado um leve sorriso para D. Antónia, o que muito a lisonjeia, levando-a a exprimir-se com enlevo:

— Que linda criança!

Um grande alarido ecoa ao longe. Populares saúdam D. Carlos, que acaba de ultrapassar os portões do palácio, de regresso de Vila Viçosa.

Volvidos alguns instantes, aproxima-se de D. Antónia. Esta fica admirada com a desenvoltura que o sobrinho atingira, passando repentinamente de mero adolescente para um adulto com excelente figura, ostentando uma postura digna de um futuro monarca.

A tia beija carinhosamente o sobrinho, desejando que este obtenha plena felicidade junto de D. Amélia e do recém-nascido.

Maria Isabel deixa D. Antónia na companhia dos sobrinhos, para se dirigir à sua mansão, a fim de orientar pessoalmente a festa de receção que os Marinhais iriam dedicar, nessa noite, à infanta.

Antes de abandonar o palácio, revê, mais uma vez, o minúsculo quarto onde há 42 anos havia nascido. Por muito que recue na sua memória, as lembranças dessa época são praticamente inexistentes, pois a Família Real, acompanhada dos mais diletos servidores, mudara-se para o Palácio das Necessidades alguns meses após o seu nascimento.

A ida a este aposento, na zona dos serviçais, constitui para ela uma obrigação, para nunca se esquecer das origens humildes do seu nascimento.

Nessa noite, a mansão dos Marinhais ostenta toda a sua imponência, profusamente iluminada por candeeiros a gás.

Todos os elementos da família Marinhais aguardam, no Salão Nobre, a chegada dos convidados.

O primeiro a surgir é o advogado da família, seguido de Michel Laurent, trajando uma elegante casaca parisiense. D. Antónia e o marido, acompanhados de D. Carlos e D. Amélia, são os últimos a aparecer.

Todos os presentes se inclinam respeitosamente à entrada dos príncipes, saudando efusivamente a filha de D. Maria II, há tantos anos fora do país.

A Marquesa de Marinhais aproveita a ocasião para apresentar o seu futuro marido à irmã de leite:

— Este cavalheiro é Michel Laurent, meu noivo!

— Estou encantada por o conhecer. A Maria Isabel já se referiu muito a si.

— É para mim uma honra conhecer Vossa Alteza – responde o médico, beijando respeitosamente a mão da princesa.

Passados alguns minutos, dirigem-se para a Sala de Jantar, onde o banquete de boas-vindas irá ser servido.


© Jorge Francisco Martins de Freitas, 20-11-2022.
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