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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA



romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 23

A 1 de janeiro de 1878, realiza-se o II Recenseamento Geral da População de Portugal, abrangendo apenas os cidadãos residentes no continente europeu e nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.

Face ao senso realizado catorze anos antes, a população de Portugal aumentou quase 8,65%, tendo sido contabilizados, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, 4 550 699 habitantes.

A maioria da população (4 004 410) é rural. Em média, o número de indivíduos por família é de 4,1.

Diogo

A 16 de fevereiro, Diogo, que se tornara um garboso jovem, completa dezasseis anos de idade.

A Marquesa de Marinhais sempre se preocupou com a formação do seu meio-irmão, ministrando-lhe pessoalmente aulas e inscrevendo-o num dos melhores colégios de Lisboa, dada a impossibilidade de este frequentar a escola de que ela era dona, destinada apenas a raparigas. O pai também procurou cuidar da sua educação, incutindo-lhe ideais republicanos.

Foi sempre um aluno exemplar, tendo optado por cursar Direito.

D. Carlos, futuro rei de Portugal, durante a sua adolescência

A 28 de setembro, a família real junta-se na cidadela de Cascais, com o intuito de comemorar o décimo quinto aniversário do nascimento de D. Carlos.

Maria Isabel também está presente neste evento, tendo tido a oportunidade de assistir ao primeiro ensaio de iluminação por energia elétrica realizado em Portugal: D. Luís havia para ali trazido seis candeeiros apetrechados, cada um deles, com uma lâmpada inventada, nesse ano, pelo engenheiro russo Paul Jablochkoff.

Este novo tipo de iluminação esteve em funcionamento durante o tempo em que a família real permaneceu na cidadela, tendo, de seguida, sido transferido para Lisboa, a fim de iluminar uma parte do Chiado.

Londres, no século XIX

Para complementar a instrução de D. Carlos, o pai sugere que este realize uma viagem por diversas cortes europeias ligadas à monarquia portuguesa por traços familiares ou antigas alianças. A Marquesa de Marinhais, como sua perceptora, é convidada a acompanhar o infante.

Durante esse périplo, está prevista uma ida a Sigmaringen, para D. Carlos conhecer a sua tia D. Antónia, o que origina em Maria Isabel uma intensa alegria, pois teria a oportunidade voltar a estar com a sua irmã de leite.

A 10 de outubro, pelas dez horas da manhã, D. Carlos parte, na corveta Bartolomeu Dias, em direção à zona portuária que serve a cidade de Londres, primeira etapa da viagem. Para além da Marquesa de Marinhais e dois criados, faz parte do séquito do príncipe o jovem capitão Rodrigo de Andrade, indigitado por D. Luís I para os acompanhar.

Na noite desse dia, quando já percorriam a costa atlântica de Portugal, Maria Isabel detém-se um pouco mais na Sala de Jantar, conversando animadamente com o capitão Andrade, elegantemente trajado com a sua farda de gala.

— Senhor capitão: Sua Majestade, o Rei, disse-me que vossa senhoria é uma pessoa muito viajada.

— Sim, já percorri quase toda a Europa, integrado em missões diplomáticas – responde o capitão, com um atraente sorriso no rosto.

— Apesar de possuir a maioria das ações de uma companhia de navegação, é a primeira vez que realizo uma viagem marítima – afirma a marquesa.

— Nunca é tarde para começar a viajar – assinala o capitão. — O meu falecido avô, com quem fui criado desde criança, também era militar, tendo alcançado o posto de general. Quis que eu seguisse a carreira militar. Eu assim o fiz, mas o meu maior sonho era conhecer outros países. Integrar a carreira diplomática constituiu, para mim, uma enorme oportunidade.

Maria Isabel sente-se agradada com a amena conversa que está a estabelecer com o seu interlocutor, dois anos mais velho do que ela, considerando-o uma pessoa muito afável.

Nos dias seguintes, ambos permanecem mais algum tempo dialogando, após as refeições.

A viagem continua a decorrer calmamente, embora no Canal da Mancha o mar se tenha apresentado um pouco alteroso, provocando alguns enjoos à Marquesa de Marinhais.

Desembarcam em Inglaterra numa manhã chuvosa. À sua espera, encontra-se o embaixador português em Londres, acompanhado por Eça de Queiroz, que regressará, em breve, a Lisboa, após ter desempenhado funções de cônsul em Newcastle e Bristol.

Inicialmente, estava previsto que ficariam alojados nas instalações da embaixada, mas a Rainha Vitória oferece-se para os acomodar no Palácio de Buckingham, em Westminster, sua residência oficial desde 1837.

D. Carlos, Maria Isabel e o capitão ficam alojados em três aposentos no primeiro andar e os dois criados são acolhidos na zona dos serviçais.

A monarca britânica concede, no dia seguinte, uma audiência ao jovem príncipe português e seus acompanhantes, tendo tecido uma elogiosa referência à velha aliança que une os dois países.

Quando Rodrigo, na sua qualidade de diplomata, apresenta a Marquesa de Marinhais à Rainha Vitória, esta demonstra já conhecer um pouco da vida de Maria Isabel, o que muito a surpreende:

— Soube que esteve noiva de D. Pedro V de Portugal. Os meus sentimentos pela sua morte.

Da parte da tarde, enquanto o infante D. Carlos fica no palácio real a conviver com elementos da corte, Maria Isabel e o capitão dão um passeio por Londres.

Carruagem do Metropolitano de Londres, inaugurado a 10 de Janeiro de 1863

— Sei que a senhora Marquesa esteve na inauguração do caminho de ferro em Portugal. Gostaria que viajasse comigo no London Underground, também conhecido por The Tube.

— Terei muito gosto em acompanhá-lo. Já li alguns artigos sobre esse novo meio de transporte metropolitano – responde Maria Isabel. — Trata-se do primeiro sistema ferroviário subterrâneo, ligando vários pontos de uma cidade. Quando estará algo assim disponível em Lisboa?

Após alguns dias de permanência na Escócia e na Irlanda, D. Carlos e a sua comitiva embarcam num vapor em direção a Ostende, seguindo, por via-férrea, para Sigmaringen.

Maria Isabel e a sua irmã de leite voltam a encontrar-se ao fim de dezassete anos. Abraçam-se longamente, não conseguindo evitar que abundantes lágrimas de comoção escorram pelas suas faces.

Leopoldo, marido de D. Antónia, recebe calorosamente a marquesa, apresentando-lhe os filhos que ambos haviam tido: Guilherme, futuro titular de Hohenzollern, Fernando, futuro rei da Roménia e Carlos António, o mais novo dos três irmãos.

Num baile realizado nessa noite no Palácio de Sigmaringen, Frederico, o irmão de leite de Leopoldo, tenta beijar Maria Isabel de forma indecorosa, tendo sido admoestado por Rodrigo de Andrade, que começara a demonstrar estar muito interessado numa aproximação mais íntima com a marquesa.

Após ter terminado o baile, Maria Isabel permanece ainda várias horas conversando com D. Antónia, recordando a juventude de ambas na corte portuguesa.

Nos dias imediatos, as duas irmãs de leite passeiam alegremente pela cidade, apesar de o tempo atmosférico se apresentar um pouco instável.

A partida da comitiva de D. Carlos para outras cortes da Europa Central, deixa um grande vazio em D. Antónia e uma profunda mágoa em Maria Isabel.

Em Viana de Áustria, o capitão Andrade decide declarar o seu amor por Maria Isabel, beijando, com ternura, as suas alvas mãos.

— Gosto muito de si. Quer casar-se comigo?

— Também simpatizo consigo – responde esta. — Gostaria de dar-lhe já uma resposta, mas tenho de me aconselhar primeiro com a minha mãe e o meu advogado.

O capitão estranha esta resposta, mas aceita aguardar mais algum tempo, até ao regresso de ambos a Portugal.

Desastre ferroviário de Ermesinde

A 11 de outubro, ocorre um acidente ferroviário junto a Ermesinde, no concelho de Valongo, devido a excesso de velocidade da locomotiva, tendo provocado seis mortos, incluindo o maquinista. O escritor português Camilo Castelo Branco viajava numa das carruagens, tendo ficado ferido, embora sem gravidade.

Praia no sul de Goa, antiga possessão portuguesa na Índia

A 26 de dezembro, é assinada, em Lisboa, uma aliança económica entre Portugal e o Reino Unido, relativamente às possessões que ambos possuíam na Índia.

Conhecida por Tratado Anglo-Português de 1878, esta aliança, que se tornaria efetiva a partir de 15 de janeiro do ano seguinte, pretendia acabar com o isolamento comercial da Índia Portuguesa, expandindo a sua economia. Para o efeito, foi criada, naquela região, uma união aduaneira entre os dois territórios, incluindo a construção de uma linha férrea para os interligar: o futuro Caminho de Ferro de Mormugão. Em troca, Portugal permitiu que o sal goês fosse explorado pelos britânicos que já detinham o monopólio deste produto na Índia.

O Reino Unido acabaria por limitar a produção do sal em Goa, lançando na miséria os camponeses que se dedicavam a este trabalho, originando a sua emigração para a Índia britânica, principalmente para Bombaim.

Ponte Eiffel, em Viana do Castelo

No decorrer de 1878, são abertas ao público inúmeras estações e apeadeiros, para além de importantes infraestruturas ferroviárias como a Ponte de Viana do Castelo, mais conhecida por Ponte Eiffel, e a Ponte do Guadiana.

Jardim Botânico de Lisboa

Em Lisboa, são inaugurados o Observatório Astronómico e o Jardim Botânico, contendo, este último, diversas espécies tropicais oriundas da China, Japão, Austrália, Nova Zelândia e América do Sul.


© Jorge Francisco Martins de Freitas, 23-10-2022.
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