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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA



romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 21

A Marquesa de Marinhais continua a nutrir grande afeição por Geraldo, mas este, embora a trate com toda a consideração, não lhe transmite qualquer sinal que comprove estar igualmente interessado nela, situação que muito a angustia.

Os constantes olhares que a proprietária da escola dirige ao jovem diretor não passam despercebidos aos restantes elementos do corpo docente, alimentando inúmeros comentários depreciativos.

Nos primeiros dias de 1866, chuvas torrenciais provocam enormes inundações na cidade de Lisboa, dificultando a vida normal dos seus habitantes. A calçada onde se situa a Escola Marquesa de Marinhais transforma-se num agitado rio lamacento, danificando o piso térreo desta instituição privada de ensino, originando o seu encerramento até à segunda semana de fevereiro.

Durante o tempo em que a escola esteve fechada para obras, Maria Isabel não teve a oportunidade de estar perto de Geraldo. Assim que esta reabre, dirige-se-lhe, de imediato:

— No próximo sábado, irei dar um baile na minha mansão, para comemorar o meu vigésimo primeiro aniversário natalício. Posso contar com a sua presença?

— Pode sim, senhora Marquesa! – responde Geraldo.

— Conto, então, consigo! – afirma Maria Isabel, exibindo um atraente sorriso.

— Posso levar comigo uma pessoa? – pergunta o professor.

— Pode sim! – retorque, de imediato, a marquesa. — De quem se trata?

— É a minha noiva! – responde o docente, demonstrando uma evidente ingenuidade.

Maria Isabel sente uma profunda dor no coração. Nunca imaginara que ele, assim tão jovem, já estivesse comprometido.

Geraldo pede para se retirar, deixando as delicadas faces da marquesa humedecidas por copiosas lágrimas de desilusão.

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Depois de ter participado na inauguração da via-férrea em Portugal, Maria Isabel foi acompanhando a sua evolução.

A 14 de setembro de 1863, os caminhos de ferro chegam a Évora.

Dez dias mais tarde, é inaugurado, na Linha do Leste, o troço entre Elvas e a fronteira, permitindo a ligação, através de Badajoz, à rede ferroviária espanhola.

A 15 de fevereiro de 1864, a Linha do Sul (atual Linha do Alentejo) atinge Beja.

A 7 de julho de 1864, já é possível ir de comboio, desde Lisboa até Vila Nova de Gaia. Para completar a linha do Norte, apenas falta construir uma ponte sobre o rio Douro.

A 6 de março de 1866, a irmã de leite da princesa está presente, em representação de D. Luís I, na inauguração dos apeadeiros do Alto do Padrão, Chança e Fazenda, na Linha do Leste, construídos para servir aquelas localidades situadas no distrito de Portalegre.

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A 28 de setembro de 1866, o infante D. Carlos completa três anos de idade, passando uma parte significativa do dia na companhia da Marquesa de Marinhais, encarregada da sua educação. Apesar da tenra idade deste príncipe, Maria Isabel, expressando-se em português e em francês, já lhe ensinara a contar e a reconhecer algumas letras do abecedário, socorrendo-se de jogos educativos por ela inventados. Notando que o futuro rei de Portugal possui uma inata queda para o desenho, incentiva-o a reproduzir os muitos pássaros exóticos existentes no palácio, dentro de gaiolas.

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A marquesa continua a participar nos serões culturais levados a cabo pela corte, muitos deles organizados por sua iniciativa.

Na noite de 29 de novembro de 1866, inúmeros coches começam a chegar ao Palácio da Ajuda.

Na Sala do Trono, profusamente iluminada por imponentes candelabros, são dispostas dezenas de cadeiras para acolher os convidados.

Para além de ilustres figuras das letras e exímios executantes de música clássica, vários jornalistas estão presentes, entre eles Eduardo Coelho, fundador do jornal Diário de Notícias, cujo primeiro número havia sido publicado há precisamente vinte e três meses.

Assim que este jornalista e escritor entra na Sala do Trono, Maria Isabel dirige-se, de imediato, na sua direção:

— Seja muito bem-vindo, senhor Eduardo Coelho! A presença de vossa senhoria constitui, para mim, uma enorme satisfação. Leio sempre, com muito interesse, as crónicas que escreve no seu jornal sobre os saraus realizados neste palácio.

— É para mim uma honra estar presente! Como já é do seu conhecimento, sou grande apreciador das suas poesias. Apenas lamento que continue a solicitar-me que as publique no meu jornal sob um pseudónimo!

— Não tenho outra alternativa. A nossa sociedade é muito preconceituosa. Dificilmente uma mulher poderá publicar uma poesia no seu jornal sem os leitores verem segundas intenções no conteúdo dos seus textos. Com um pseudónimo masculino fico a salvo de muitas irreverências!

— Infelizmente, tem razão, senhora Marquesa! – responde Eduardo Coelho, com aparente pesar. — Permita que lhe apresente o jovem amigo que está ao meu lado. Chama-se José Maria, nasceu no mesmo ano de vossa senhoria e concluiu, há algumas semanas, o curso de Direito, na Universidade de Coimbra!

— José Maria de Eça de Queiroz, um modesto admirador às ordens de vossa senhoria! – declara enfaticamente o jovem, executando uma ligeira vénia na sua direção.

— Tenho muito prazer em o conhecer! – afirma Maria Isabel, visivelmente encantada com o seu atraente aspeto físico. — Não esperava vir a conhecer um advogado assim tão jovem! Todos os homens de leis com quem tenho contatado são mais velhos!

— Também já foram jovens! – responde Eça de Queiroz, com um amável sorriso.

— Certamente que sim! – responde Maria Isabel. — Então, suponho que está aqui porque é grande apreciador de expressões literárias e musicais!

— Sem dúvida que sim, mas também pretendo escrever um artigo sobre este sarau!

— Ah, então é escritor?

— Sim, também sou.

— Já tem obras publicadas?

— Por enquanto, apenas tenho escrito textos para jornais.

— Gostaria bastante de ler algo seu!

— No próximo mês, vou passar a residir em Évora. Estou a pensar fundar aí um jornal, tendo já um título preparado. Chamar-se-á Distrito de Évora. Irei enviar-lhe um exemplar do primeiro número.

A Marquesa de Marinhais lamenta que José Maria vá deixar Lisboa, pois ficara muito agradada com a sua atraente presença.

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Na tarde do dia 7 de janeiro do ano seguinte, um estafeta entrega a Maria Isabel um exemplar do primeiro número do bissemanário Distrito de Évora.

A marquesa fica encantada com o editorial escrito por José Maria de Eça de Queiroz, revelador que este, para além de valorizar questões sociais, pugnava por um imenso amor pela Pátria, atribuindo ao jornalismo uma importância fulcral na divulgação desses princípios:

Provavelmente, ambos teriam acedido à leitura dos mesmos pensadores, forjando idênticos ideais. Talvez, no futuro, se voltem a encontrar.


© Jorge Francisco Martins de Freitas, 2-10-2022.
Proibida a reprodução sem autorização prévia do autor.


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