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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA
romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas
Episódio 16
No último dia do mês de agosto de 1861, o parlamento português encerra para férias, assim como os tribunais, as escolas e inúmeras outras empresas públicas e privadas.
No dia seguinte, um domingo, a população das grandes cidades inicia a debandada em direção ao campo e à praia. Setembro era, na altura, considerado o melhor mês para um merecido descanso.
Porto, por volta de 1861
D. Pedro V aproveita os primeiros dias desse mês para participar nas últimas festas da Exposição Industrial do Porto, tendo estado presente nos trabalhos iniciais da construção do Palácio de Cristal. Na sua comitiva, para além de diversos homens de negócios, estão presentes D. Antónia e a Marquesa de Marinhais.
Tanto a princesa como Maria Isabel ficam encantadas com a cidade do Porto e com a calorosa receção que a população local disponibiliza ao rei de Portugal, mas têm de voltar rapidamente para Lisboa, pois D. Antónia está prestes a casar-se com Leopoldo.
Este enlace constitui um dos poucos casos de amor prévio entre nubentes reais, pois D. Antónia já se encontrara duas vezes com o futuro marido, tendo nascido entre ambos um carinho muito especial.
O casamento estava a ser preparado havia alguns meses. A 30 de março é publicado o dote da princesa, constituído por noventa contos de reis. A este valor é acrescentado mais trinta contos para despesas de casamento, incluindo o enxoval da noiva.
O contrato nupcial é redigido em junho, aprovado pelas cortes no mês seguinte e ratificado por Guilherme I da Prússia em agosto.
Palácio de Sigmaringen
D. Antónia e a sua irmã de leite, como ocupam quartos contíguos, nunca se deitam sem primeiro conversarem longos minutos sentadas na cama de uma delas.
Esse costume, está, no entanto, prestes a acabar. No dia seguinte, 12 de setembro, D. Antónia irá casar-se com Leopoldo e os fraternais convívios noturnos passarão a ser uma mera recordação do passado.
— Vou ter imensas saudade das nossas conversas antes de dormir! – diz a princesa, antecipando uma certa nostalgia. — Teremos, no entanto, muito tempo para estarmos juntas no palácio do meu futuro marido, em Sigmaringen!
— Minha querida irmã! – exclama Maria Isabel, expressando um sentido pesar. — Já lhe deveria ter dito isto há mais tempo, mas não tive coragem de o fazer. Não vou poder acompanhá-la!
— Porquê, Isa? – pergunta a princesa, atónita.
— O meu avô deixou escrito no testamento que, até eu perfazer 18 anos de idade, terei de reunir-me quinzenalmente com o doutor Fonseca para ir aprendendo a gerir os negócios.
— Mas, Isa, porque não desiste da herança e vem comigo para Sigmaringen? – contrapõe a princesa. — Será lá muito bem tratada e não lhe faltará nada! Não deixará de ser uma marquesa e arranjará um bom marido!
— Até poderia fazê-lo, pois não sou agarrada ao dinheiro – responde a marquesa. — Privilegio muito mais a sua amizade e a possibilidade de continuar a estudar.
— Então, porque não vem comigo?
— O problema é a minha mãe! – responde Maria Isabel, com tristeza. — Ela deveria ter casado com o meu pai e ser hoje a Marquesa de Marinhais, tendo herdado todo o património da família. Não posso desistir da herança, porque isso representaria para ela perder a vida desafogada que agora tem.
— Compreendo, Isa, mas o seu afastamento é muito difícil para mim! Gosto muitos dos meus irmãos, mas habituei-me mais a si!
— Estou destroçada! – declara Maria isabel com profunda angústia. — Eu também gosto muito da D. Antónia, e, para mim, este afastamento constitui igualmente uma tragédia!
— Ainda se aqui ficasse para se casar com o meu irmão Pedro e se tornar rainha consorte de Portugal, ainda compreenderia, mas custa-me tanto aceitar a sua ausência!
Com imensa tristeza nos rostos, lançam-se nos braços uma da outra, chorando desesperadamente.
No dia seguinte, realiza-se, no Palácio das Necessidades, o casamento entre D. Antónia e Leopoldo.
A noiva estranha a ausência de Frederico, tendo ficado com a impressão de que o irmão de leite de Leopoldo não se deslocara a Portugal para evitar encontrar-se com a Maria Isabel, envergonhado por esta não ter correspondido aos seus interesseiros avanços amorosos.
Sentada num dos extremos da sala, a Marquesa de Marinhais apresenta um semblante triste, desalentada por ir perder a companhia de D. Antónia. Recusa educadamente vários convites para dançar, alegando estar maldisposta. Apenas aceita, por delicadeza, acompanhar o noivo numa valsa.
Para celebrar este enlace, são proporcionados, durante três dias, vários festejos públicos, alegremente aproveitados pela população de Lisboa.
Enquanto decorre, em Sintra e na Praia das Maçãs, a lua de mel da sua irmã de leite, Maria Isabel refugia-se, melancolicamente, na mansão dos Marinhais.
Seis dias mais tarde, o infante D. Luís é incumbido, pelo rei D. Pedro V, de acompanhar os noivos até à Prússia, utilizando, para o efeito, as corvetas Bartolomeu Dias e Estefânia, comandadas pelo capitão de Fragata José Baptista de Andrade. Seguem na comitiva, igualmente, o infante D. João, duque de Beja e o Príncipe Carlos, irmão do noivo e futuro rei da Roménia.
As duas irmãs de leite despedem-se uma da outra, com imenso pesar:
— Isa, depois de fazer os 18 anos, venha ter comigo!
— Assim o farei, D. Antónia! Um ano e meio passa depressa e eu escrever-lhe-ei muitas vezes. Desejo, do fundo do meu coração, que faça uma boa viagem e seja muito feliz com o Leopoldo! Nunca se esqueça de mim!
— Nunca a esquecerei, Isa! – declara D. Antónia, não conseguindo evitar que abundantes lágrimas lhe escorram pelo rosto. — Enviar-lhe-ei muitas cartas de lá! Adeus, minha irmã!
Maria Isabel olha nostalgicamente para a corveta a afastar-se, sentindo que acabara de perder uma parte de si própria.
De regresso ao Palácio das Necessidades, D. Pedro V sugere a Maria Isabel que esta passe a ocupar o quarto que pertencera a D. Antónia.
O relacionamento entre ambos revela-se cada vez mais intenso. A meados de outubro, o rei convida a Marquesa de Marinhais para um jantar a sós, numa pequena sala do palácio, apenas iluminada pela luz de meia-dúzia de coloridas velas.
Depois de serem servidos por dois criados, estes retiram-se da sala e fecham a porta, ficando à escuta atrás dela. Que irá o rei dizer à senhora marquesa?
D. Pedro pega suavemente na mão da irmã de leite da princesa, declarando:
— Maria Isabel, já se deve ter apercebido que gosto muito de si! Quer ser minha esposa?
A marquesa não é colhida de surpresa, pois há muito que anseia por tal pedido e os dois entraves a este casamento podem facilmente ser ultrapassados: D. Pedro não é seu irmão de verdade e o ancestral costume dos reis se casarem com princesas poderá ser ultrapassado, pois o amor tudo vence!
Assim, Maria Isabel, baixando recatadamente os olhos, responde:
— Quero, sim!
Por esta altura, o país começa a apresentar um significativo desenvolvimento nas suas infraestruturas, graças à última reforma dos impostos diretos que melhora substancialmente as receitas do estado.
O Marquês (depois Duque) de Loulé vinha presidindo, desde 4 de julho de 1860, ao conselho de ministros. Anteriormente, o cargo havia sido ocupado sucessivamente pelo Duque da Terceira e por Joaquim António de Aguiar.
Na Estremadura, já é possível viajar, por estrada, entre Lisboa e a fronteira de Espanha. As ligações à Galiza, através do Minho, apresentam-se mais eficientes e algumas das principais cidades do Reino já estão interligadas. Mais de oito mil trabalhadores encontram-se envolvidos na construção de novas vias. Algumas rodovias estão a ser edificadas por empreitada, aguardando-se, para breve, a abertura de concursos públicos para a execução de outras.
Mais de 140 quilómetros de via-férrea já estão disponíveis a norte e a sul do rio Tejo. Outros 500 estão a ser feitos com recurso a vinte e dois mil trabalhadores nas linhas do Norte e do Leste e cinco a seis mil na linha de Évora e Beja.
A rede telegráfica abrange agora todo o país.
Os diversos portos do continente já se encontram ligados, por vapores, às ilhas adjacentes e às possessões africanas.
© Jorge Francisco Martins de Freitas, 04-09-2022.
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