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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA
romance publicado todos os domingos em episódios sequenciais
autor: Jorge Francisco Martins de Freitas
Episódio 15
A herança de Maria Isabel inclui prédios de arrendamento, extensas vinhas no Douro e uma parte substancial da companhia marítima que, em 1859, inicia as primeiras viagens regulares entre Portugal e Angola.
A filha de Ana Francisca continua a viver no palácio, mas desloca-se à sua mansão, todas as semanas, para visitar a mãe e o padrasto, sendo sempre acompanhada por D. Antónia.
Mais uma visita está programada para esta noite, desta vez com a presença do Doutor Fonseca, o advogado que gere o património deixado pelo falecido general até a neta deste atingir a maioridade.
O jantar está prestes a ser servido. O mordomo Bonifácio, dada a sua avançada idade, apenas marca uma presença discreta junto da imponente mesa coberta por inúmeras iguarias trazidas pelas criadas Luísa e Fernanda, impecavelmente fardadas.
No fim da refeição, o advogado, após fazer o ponto da situação sobre os negócios, dirige-se a Maria Isabel dizendo:
— Com todas estas propriedades, irão surgir inúmeros pretendentes desejosos de se casar com vossa senhoria! Se me permite, é meu dever avisá-la que, ao consorciar-se, os bens que detém passam a pertencer ao seu marido, podendo este dispor deles a seu belo prazer! Deve tomar, portanto, o máximo cuidado na escolha do seu futuro esposo!
— O meu padrasto já fez idêntica recomendação! – responde a marquesa, com um pálido sorriso nos lábios. — Neste momento, não estou interessada em me casar, embora ache interessante ser cortejada por atraentes jovens!
— Procedes muito bem, minha filha! – afirma Ana Francisca. — É preferível dedicares-te à leitura e deixar, para mais tarde, o casamento!
— Estou perfeitamente de acordo contigo! – intervém Alfredo. — Ler bons livros amplia imenso o nosso conhecimento e abre novas perspetivas para encarar o mundo que nos rodeia.
— Nem quero ouvir tal coisa! Se a Isa se casa, perco a sua companhia! – sublinha D. Antónia, receosa de ficar sem a permanente presença da sua irmã de leite.

D. Antónia
Três semanas mais tarde, Leopoldo volta ao Palácio das Necessidades, a fim de fazer a entrega de alguns pertences de D. Estefânia, sendo acompanhado por Frederico.
O irmão da falecida rainha consorte de Portugal abeira-se, de imediato, de D. Antónia, afirmando que esta se encontra ainda mais bela do que da última vez que estivera na sua presença. Ambos não conseguem esconder a ligação que começa a uni-los.
Já Frederico não demonstra por Maria Isabel semelhante afeição. Afinal ele era já um capitão do exército prussiano, enquanto esta não passava da filha de uma criada, embora tivesse sido adotada pela família real…
D. Antónia, ao aperceber-se que Frederico não cumprimentara a sua irmã de leite, não resiste em declarar:
— Maria Isabel pertence a uma família da alta nobreza, sendo a atual Marquesa de Marinhais! E é uma das mulheres mais ricas de Portugal!
Assim que Frederico escuta as palavras “marquesa” e “rica”, imediatamente se dirige a Maria Isabel, ostentando um atraente sorriso.
A antiga plebeia nunca havia esquecido o irmão de leite de Leopoldo, continuando a nutrir por ele uma intensa afeição. Porém, ainda tem bem presente o que lhe dissera o advogado sobre os cuidados a ter na escolha do seu futuro marido, pelo que o recebe com frieza, ao aperceber-se que este só a cumprimentara após ter tomado conhecimento do seu atual estatuto.

Instalações atuais da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Como já foi dito anteriormente, D. Pedro V havia doado noventa e um contos de réis para a constituição, em Lisboa, de um Curso Superior de Letras, mas o início das aulas só ocorre em 1861, no mês em que Maria Isabel perfaz dezasseis anos de idade.
O soberano havia convidado pessoalmente os académicos António José Vial, Luís Augusto Rebelo da Silva e António Feliciano de Castilho para lecionar respetivamente as cadeiras de Literaturas Grega e Latina, História Nacional e Literatura Moderna da Europa.
No entanto, a constituição definitiva do corpo docente daquela instituição de ensino superior passou por inúmeras dificuldades. Para além de não terem arranjado professores para as cadeiras de Filosofia e de História Universal Filosófica, Castilho declinou o convite do monarca, sendo substituído sucessivamente por António Pedro Lopes de Mendonça, Luís Augusto Rebelo da Silva e, por último, por José da Silva Mendes Leal, em regime interino.
O discurso inaugural do curso foi realizado por António José Vial, tendo contado com a presença de D. Pedro V.
Maria Isabel havia, entretanto, recusado casar-se com dois pretendentes por considerar que os mesmos só estavam interessados na sua fortuna, preferindo continuar solteira, dedicando-se ao estudo e à escrita de poemas.
Mandou vir do estrangeiro, para a biblioteca da sua mansão, textos de conceituados escritores e pensadores europeus, por ela avidamente lidos, tendo-se tornado o elemento mais culto da corte, superando o próprio monarca.
Gostaria de ingressar no Curso Superior de Letras, mas o mesmo estava vedado a mulheres.
Como D. Pedro V ia assistir a algumas aulas, Maria Isabel passa a acompanhá-lo. Já que não era autorizada a inscrever-se como aluna, pelo menos podia seguir as lições ministradas pelos académicos, intervindo, por vezes, nelas:
— Por que razão se faz neste Curso a distinção entre poesia e prosa, se muitos textos desta última exprimem sentimentos poéticos? É apenas uma questão formal?
Os mestres viam-se obrigados a responder, para não desagradar ao rei, embora não conseguissem disfarçar o quão admirados ficavam com os conhecimentos que a Marquesa de Marinhais demonstrava possuir, assim como com o poder argumentativo que esta dispunha.
O rei ainda tentou convencer a Academia a admitir mulheres no curso, mas a maioria dos professores votou contra.
As constantes saídas do monarca acompanhado por Maria Isabel começam a originar mexericos na corte, apontando para a existência de um relacionamento amoroso entre ambos.
Os dois eram muito cultos e tinham, um pelo outro, grande admiração. Porém, nenhum deles se atrevia a ultrapassar a barreira que os impedia de encetar um relacionamento mais íntimo: ambos se viam como dois irmãos e o rei deveria casar-se com uma princesa.
Maria Isabel nunca recusaria tornar-se rainha de Portugal e D. Pedro V dificilmente encontraria nas cortes europeias uma princesa que fosse tão formosa e erudita.
Talvez o futuro reservasse para eles uma maior aproximação.
© Jorge Francisco Martins de Freitas, 28-08-2022.
Proibida a reprodução sem autorização prévia do autor.
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Créditos
A imagem de D. Antónia foi reconstruída a partir de uma pintura de Franz Xaver Winterhalter (1805–1873), cujo original se encontra patente no castelo de Sigmaringen, na Alemanha.
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