Maria Isabel, nos primeiros meses de vida, ficava no mesmo quarto da princesa D. Antónia, sob a constante vigilância de Ana Francisca. Quando ambas começaram a andar, passou a ter uma pequena cama ao lado da mãe, num anexo com ligação direta aos aposentos de D. Antónia. Porém, pouco tempo ali passava, dado a infanta pedir-lhe, quase todas as noites, para ir para o leito dela, a fim de conversarem, acabando por adormecer juntas.
Anos mais tarde, quando a serviçal regressou às suas instalações, o anexo recebeu mobiliário novo, transformando-se no quarto permanente de Maria Isabel, em virtude de a princesa exigir estar sempre perto dela.
A irmã de leite de D. Antónia encontrava-se diariamente com a mãe nos corredores do palácio, apenas se deslocando aos quartos da criadagem quando sentia necessidade de pedir conselhos à mãe sem estar na presença da família real.
Enquanto a mesa da Sala de Banquetes era desmontada para ali se realizar, nessa noite, o baile em honra de D. Estefânia, Maria Isabel utiliza parte desse tempo para, mais uma vez, se dirigir ao quarto da progenitora, a fim de tirar algumas dúvidas sobre a forma correta de se comportar neste evento.
— Mãezinha, a D. Antónia e eu recebemos, nos últimos dias, lições de dança do mestre Vicente, mas estou preocupada com uma coisa.
— Que coisa? – pergunta a mãe, com curiosidade.
— Que ninguém me convide para dançar, pois a maioria das pessoas que lá estarão conhece a minha origem humilde.
— Não te preocupes com isso. És muito bonita e o vestido que a D. Antónia te ofertou é quase tão atraente como o que ela vai usar! Sei isso porque fui eu que limpei e engomei o teu traje de baile, assim como o das duas jovens princesas da família real.
— Mas, mesmo assim, continuo a recear ficar sempre sentada sem ninguém me convidar! – desabafa, com tristeza, Maria Isabel.
— Minha filha: é dever de D. Pedro V, como anfitrião do baile, certificar-se que nenhuma das meninas fica sentada sem pelo menos ter sido convidada uma vez para dançar. Ele irá indigitar um par para ti e ordens de rei são para cumprir…
Ambas se dirigem para os aposentos de D. Antónia para a ajudar a vestir o traje de baile. A seguir, será a vez de Maria Isabel também se preparar a preceito, com o auxílio da mãe.
Na altura, a mulher da alta sociedade deveria revelar-se frágil, tímida, inocente e sensível. Aliás, a fraqueza e a futilidade eram consideradas qualidades desejáveis, sendo elegante estas surgirem pálidas e desmaiar facilmente. Possuir vigor e saúde de ferro eram características vulgares das classes baixas, reservadas às criadas e operárias.
Para a filha de Ana Francisca, este “retrato” atribuído às senhoras não se coadunava com o seu espírito mais aberto, ilustrado por textos que lhe chegavam às mãos de variadas origens menos conservadoras. Valorizava mais a conceção de uma mulher desprovida de preconceitos e em pé de igualdade com os elementos masculinos da sociedade, não se inibindo de transmitir esses ideais a D. Antónia, obtendo, da parte desta, uma plena concordância.
À volta da Sala de Banquetes, profusamente iluminada por vistosos candelabros cuja luminosidade se reflete nos cristalinos espelhos ali existentes, inúmeras cadeiras começam a ser ocupadas por senhoras elegantemente vestidas. Cavalheiros trajados a rigor, tanto com fatos civis como militares, conversam animadamente uns com os outros.
Quando surge D. Pedro V, acompanhado de D. Estefânia, ecoam vibrantes vivas ao rei e à rainha. Simultaneamente, os músicos presentes na sala começam a tocar os primeiros acordes da valsa Lorelei Rhein Klänge, de Johann Strauss (pai).
Os convidados afastam-se para permitir que os jovens reis deem início ao baile, sendo seguidos, instantes depois, por elegantes casais da alta nobreza. As meninas solteiras mantêm-se sentadas nas cadeiras, aguardando, com alguma impaciência, que as venham buscar.
Findo este primeiro trecho musical, os músicos começam a tocar uma polca, dança popular da região da Boémia. Leopoldo, irmão da noiva, dirige-se a D. Antónia, convidando-a a fazer par com ele. Ambos tinham estado sentados juntos durante a boda, mantendo uma animada conversa em alemão. A dada altura, a princesa dissera-lhe ter achado muito curioso que ele tivesse vindo a Portugal acompanhado de Frederico, seu irmão de leite, comunicando-lhe que também ela tinha uma irmã de leite presente na sala.
Enquanto os dois dançam com elegância, D. Antónia, vendo que Maria Isabel, apesar do resplandecente aspeto que ostenta, ainda continua sentada, dirige um apelo a Leopoldo:
— Peça, por favor, ao Frederico, que vá convidar a minha irmã de leite para dançar!
— E ela fala alemão?
— Fala sim, até melhor do que eu! – responde D. Antónia, que não se coibia de valorizar a sua irmã de leite.
No intervalo entre a segunda e a terceira dança, Leopoldo fala com Frederico e este dirige-se, de imediato, a Maria Isabel:
Frederico e Maria Isabel dançando na Sala de Banquetes do Palácio das Necessidade
— Tenho muito gosto em dançar com a menina. Já tinha reparado em si durante a boda, mas como ficámos longe um do outro, não chegámos a falar.
Maria Isabel também já tinha olhado, por diversas vezes, para ele, pois ficara encantada com o seu atraente aspeto.
— A menina parece uma autêntica princesa – afirma Frederico, com um largo sorriso no rosto.
A filha de Ana Francisca considera que ele também aparenta ser um príncipe, mas nada lhe diz, por ser recatada.
Quando o baile termina, os convidados começam a abandonar o palácio, com exceção de Leopoldo e Frederico, que ali se encontram hospedados até ao seu regresso a Düsseldorf.
As duas irmãs de leite retiram-se para os respetivos aposentos, mantendo aberta, como de costume, a porta que os une.
— Gosto muito do Leopoldo! – exclama D. Antónia. — Tem mais dez anos do que eu, mas é divertido e possui um sorriso encantador!
— E eu fiquei maravilhada com o Frederico! – declara Maria Isabel. — É simpático e fica lindo trajado com a farda militar!
Terminava, assim, o dia em que, pela primeira vez, ambas tiveram acesso a um baile como duas senhorinhas, realizando um sonho que povoava o seu imaginário desde crianças.
Após o enlace dos noivos ter sido formalizado por tês cerimónias de casamento, duas por procuração e uma presencial, naquela noite o par real torna o seu matrimónio efetivo, abraçando-se carinhosamente.
Na manhã seguinte, os noivos partem para Sintra, onde, nos harmoniosos recantos de uma das mais belas paisagens de Portugal, irá decorrer a sua lua de mel.
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Notas
A imagem representando o baile ocorrido no Palácio das Necessidades foi retirada da série televisiva Vitória (2018), cuja visualização recomendamos.
Ligações aconselhadas
Valsa Lorelei Rhein Klänge, de Johann Strauss (pai)
Clique na imagem, para escutar a valsa Lorelei Rhein Klänge, de Johann Strauss (pai), que iniciou o baile em honra da Rainha D. Estefânia, realizado no Palácio das Necessidades, a 18 de maio de 1858.
A famosa valsa Danúbio Azul, obra-prima de Johann Strauss (filho), por muitos considerada o hino nacional da Áustria, apenas foi estreada nove anos mais tarde, no decorrer de um baile de Carnaval, no salão de uma piscina pública.