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EFEMÉRIDES

Aconteceu a 5 de março de 1917



Morte de Manuel de Arriaga, primeiro presidente eleito da República Portuguesa

A 5 de março de 1917, morre, em Lisboa, Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue, advogado, professor, escritor e primeiro presidente eleito da República Portuguesa.

Havia nascido a 5 de julho de 1840, na Horta, Açores.

Exímio orador, foi dirigente e um dos principais ideólogos do Partido Republicano Português.

Após a implantação da República, foi constituído um Governo Provisório chefiado do Teófilo de Braga.

Manuel de Arriaga tornar-se-ia o primeiro presidente eleito da República Portuguesa, substituindo Teófilo Braga. Tomou posse do cargo a 25 de agosto de 1911 mas foi obrigado a afastar-se a 29 de maio de 1915, voltando Teófilo de Braga a assumir estas funções.

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MANUEL DE ARRIAGA
(1840-1917)

Texto de Luísa Viana Paiva Boléo

Manuel José de Arriaga Brum da Silveira nasceu na cidade da Horta em 8 de Julho de 1840. Era filho de Sebastião de Arriaga Brum da Silveira, oriundo de famílias aristocráticas e descendente de flamengos que se radicaram na Ilha do Faial no séc. XVII e de Maria Cristina Ramos Caldeira, natural de Lisboa, também descendente de nobre linhagem.

Foi durante o período em que estudava na Universidade de Coimbra para se "formar em leis", no contacto com outros estudantes e professores e na leitura de outras formas de pensamento, que aderiu ao ideário republicano. Para este jovem loiro e de olhos azuis a quem nada faltava, a opção política veio privá-lo de tudo aquilo que leva tantos outros a seguirem o mesmo caminho: ascensão social, prestígio e fortuna. Manuel de Arriaga perdeu tudo isso. O pai deixou de lhe pagar os estudos e deserdou-o. Manuel de Arriaga teve então de trabalhar, dando lições de inglês para poder continuar o curso.

Este jovem açoreano, calmo e arguto, estava longe de saber que viria a ser o primeiro Presidente da República Portuguesa. Manuel de Arriaga, primeiro Presidente da República, numa foto gentilmente cedida pela família.Antes de ocupar a cadeira do poder (que nesse tempo era pouco), Arriaga passou cinquenta anos da sua vida como paladino de uma sociedade mais justa. Em 1876 fez parte do grupo que estudou o plano de reforma da instrução secundária. Foi membro do Directório do Partido Re-publicano depois de 31 de Dezembro de 1891.

Em 1882 fora deputado da minoria republicana. É com ardor que denuncia irregularidades no Governo, nomeadamente quando o ministro da Fazenda emprestou dos cofres do Estado elevadas quantias a socieda-des particulares sem dar conhecimen-to ao Governo.

Casa, com mais de trinta anos, com Lucrécia de Brito Barredo Furtado de Meio Arriaga, de famílias conhe-cidas da Ilha do Pico. A cerimónia ocorreu numa capelinha perto de Valença do Minho onde o pai era general e governador da Praça (de Valença). Os noivos vão viver alguns anos em Coimbra onde o Manuel de Arriaga exercia a profissão de advo-gado. Tiveram seis filhos, dois rapazes e quatro meninas. A família tinha o costume de ir passar as férias de Verão para Buarcos. Como ilhéu, Manuel de Arriaga e a mulher adoravam o mar, as crianças e as flores, dizia-se na família.

A última casa em que viveu Manuel de Arriaga seria em Lisboa perto da Rua das Janelas Verdes, precisamente para poder ver os barcos no Tejo. O quarto em que morreu o primeiro Presidente tinha na parede retratos de dois homens que muito admirava - Vítor Hugo e Alexandre Herculano. Por cima da cabeceira, a imagem de Cristo.

A par da sua actividade profissional, Arriaga foi fazendo o seu percurso político sem ódios nem exageros, o que, desde logo, lhe granjeou simpatia por parte dos seus correligionários e do povo, que se apercebia do seu empenhamento e carácter.

Era um orador admirado. Fizera comícios ainda durante a monarquia, como muitos outros, pugnando por uma sociedade mais justa, com menos privilégios e mais acesso ao ensino. Mais tarde, o Governo Provisório nomeou-o Procurador-Geral da República, "premiando assim um dos paladinos da propaganda republicana e que fora também um dos maiores causídicos portugueses" (J. Veríssimo Senão, "História de Portugal" vol. XII , p.l46).

A seguir à implantação da República, a 5 de Outubro de 1910, jovens republicanos estudantes de Coimbra entraram nas instalações do Senado e praticaram actos de vandalismo, tendo destruído parte do belíssimo mobiliário da secular Sala dos Capelos na Universidade, onde se efectuam as cerimónias dos doutoramentos, e numa atitude de selvajaria, balearam os retratos dos últimos reis portugueses que estavam pendurados nas paredes. "Para obstar a outras depredações o Dr. António José de Almeida, (republicano também desde a primeira hora), convidou o Dr. Manuel de Arriaga para reitor da velha Universidade e foi dar-lhe posse a 17 de Outubro de 1910, em cerimónia sem aparato académico, mas que bastou para serenar os ânimos estudantis" (Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal", v. XII,p.320).

Em Agosto de 1911, já com 71 anos, Manuel de Arriaga é eleito Presidente da República. O outro candidato era o Dr. Bernardino Machado (também presidente mais tarde). Foi António José de Almeida, da facção moderada do Partido Republicano, quem se lembrou de sugerir o nome de Manuel de Arriaga como candidato à presidência, findo o período do Governo Provisório liderado por Teófilo Braga. Isto porque, segundo ele, Arriaga "era um dos poucos se não o único homem do Partido que se dava com toda a gente e de quem Homem Cristo não dizia mal".

Ser Presidente naquela altura não era cargo invejável nem particularmente prestigiado, pois Manuel de Arriaga teve de mudar para uma casa maior, um palacete na Horta Seca, e teve de pagar o mobiliário do seu bolso. E mais curioso ainda pagava renda de casa. Não lhe era dado dinheiro para transportes, não tinha secretário, nem protocolo e nem sequer Conselho de Estado. Foi aconselhado a comprar um automóvel para as deslocações, mas teve de o pagar também do seu bolso. Na falta de um secretário, Arriaga vai chamar um dos filhos para essa função e escolheu para chefiar o seu primeiro Governo o político e jornalista João Chagas. Mas dentro do Partido Republicano já havia cisões. António José de Almeida virá a fundar o Partido Evolucionista e Brito Camacho a União Republicana. Afonso Costa mantém-se à frente do Partido Republicano.

O nosso Primeiro Presidente não vivia no Palácio de Belém, mas num anexo e a entrada fazia-se pelo Pátio das Damas. Foi aí que nasceu a neta com quem falámos para a elaboração deste artigo.

O mandato de Manuel de Arriaga desenrola-se, como é sabido, num período agitado. Os governos sucedem-se por escassos meses. Oito mudanças na presidência do Governo, desordens nas ruas, reacções violentas contra a Igreja e movimentos de monárquicos. Por fim Manuel de Arriaga convida o Dr. António José de Almeida para chefiar o governo, mas perante a recusa deste, opta então por Afonso Costa que até 1917, foi o político mais influente da vida portuguesa. Afonso Costa consegue reduzir o défice, mas a instabilidade e a luta entre os Partidos é constante, agora agravada com a tensão internacional de 1914, que iria desembocar na Primeira Grande Guerra (1914-1918), desencadeada pelo assassinato do arquiduque austríaco Francisco Fernando em Sarajevo. O assassino pertencia a uma organização terrorista que lutava pela integração da Bósnia no reino da Sérvia.

Logo no começo da 1ª Grande Guerra, há forte pressão sobre as colónias portuguesas de África principalmente em Angola e Moçambique. E a jovem república portuguesa vê-se a braços com demasiados problemas. Tentando evitar o pior, Manuel de Arriaga escreve aos três lideres dos partidos (Camacho, Afonso Costa e António José de Almeida) para se entenderem, para que se consiga formar um "ministério extrapartidário", mas Afonso Costa reagiu mal. O Presidente da República aconselha então a demissão do Governo presidido por Vítor Hugo de Azevedo e, para acalmar o exército, toma uma atitude, de que mais tarde se vai arrepender, ao chamar ao governo o general Pimenta de Castro, que já fora Ministro Guerra no tempo do governo chefiado por João Chagas. Arriaga conhecia-o e confiava nele. Joaquim Pereira Pimenta de Castro escolhe para os ministérios sete militares, não permite a reabertura do Parlamento, amnistia os monárquicos condenados, altera a lei eleitoral e vai governar como ditador. (Curiosamente em Lisboa há ainda uma rua com o seu nome.)

Os parlamentares, reunidos secretamente a 4 de Maio, no Palácio da Mitra, declaram Arriaga e Pimenta de Castro fora da lei e os seus actos nulos. A 14 de Maio de 1915 há uma revolta contra Pimenta de Castro, desencadeada pelo Partido Democrático, que conta com ao apoio da Marinha e começa uma autêntica guerra civil. Houve muitos mortos e feridos. Perante isto, o bondoso e pacifista Manuel de Arriaga só pode tomar uma atitude. Resignar do cargo. Escreve uma carta aos seus ministros e outra ao Congresso. Amargurado, o imponente tribuno de outros tempos (e também poeta, autor de "Cantos Sagrados" e "Irradiações") sai então da presidência, sem honra nem glória.

Em política, as ingenuidades pagam-se caro. Manuel de Arriaga, que Raul Brandão definia com o um homem "profundamente altruísta e magnânimo de uma grande bondade e honradez", passou rapidamente a ser considerado um "criminoso político". Na época consideram-no culpado ou pelo menos conivente com as acções ditatoriais e violentas de Pimenta de Castro.

O deputado, escritor e jornalista, Augusto de Castro relata uma conversa com o ex-presidente Manuel de Arriaga pouco antes de este morrer, em 1917: "O velho, de admirável cabeleira de tribuno, de porte aristocrático e olhar romântico, que fora outrora um dos mais lindos rapazes do seu tempo, transformara-se em meia dúzia de meses, num velhinho curvado e triste (...) Arriaga contou-me os únicos prazeres do seu exílio - as flores, as suas telas, os seus poetas (...) Naquela tarde, sentado nessa saletazita que um raio de sol aquecia, contei ao pobre velho as minhas fáceis previsões. A política não fora feita para os idealistas e para os poetas, como ele - acrescentei. Arriaga escutou-me em silêncio, forçando um sorriso de comprazimento. Uma névoa de lágrimas velou-lhe o olhar. E como falando para si desenhando com a bengala no tapete pequenos traços trémulos, disse-me, com uma ironia em que procurou pôr altivez, mas em que apenas havia o fel de uma mágoa intraduzível: "Sou um criminoso político, meu amigo..." Quis consolá-lo e, para o fazer, lembrei-me de lisonjear o sentimento de popularidade e de justiça, que eu sabia ser a nota mais viva da sua velha alma de tribuno. "O povo que o estimou, continua, a despeito de tudo a amá-lo. Esteja certo disso. Ainda há pouco num teatro, o público, ao vê-lo caricaturado em cena, aliás sem o menor intuito desprimoroso, se levantou, numa manifestação de protesto e simpatia ao seu nome." E Augusto de Castro termina contando que, à saída de casa do primeiro Presidente da primeira República portuguesa, depois de comprar o jornal e ler que alguém se referia a Arriaga como "renegado e traidor", pensou: "Nunca, como nessa tarde, a política me pareceu uma tão cruel e sinistra coisa" (citado por João Medina, "História Contemporânea de Portugal", p. 257 e 258).

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Nota: A autora agradece a uma neta de Manuel de Arriaga (entretanto falecida) a fotografia inédita da família e a autorização para fotografar um retrato pintado por Malhoa pertença da família Arriaga.

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A versão inicial deste texto foi publicada na revista Público Magazine de 7 de Janeiro de 1996. A presente versão, revista e atualizada pela autora, foi inserida no Portal O Leme em 02-01-2006 e no Magazine O Leme de julho de 2019.

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